VIAGEM AO PARQUE NACIONAL
DE
GRANDE SERTÃO – VEREDAS.
Belo espetáculo: A L-200 rompendo o rio, esta fotografia poderia ser o símbolo de nossa viagem aventura.
A viagem foi muito bem planejada, pois as distâncias eram muito grandes e havia numerosos lugares para serem conhecidos. As informações não eram completas, assim, passei boa parte do tempo estudando, e, lógico, lendo o livro de Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas. Para poder sentir os ambientes que percorreríamos na região. Diz Guimarães Rosa: Sertão: Estes seus vazios…; Sertão é do tamanho do mundo…; Sertão é maior que o mar…; O sertão se emenda em si mesmo…; No sertão um céu azul num repintado, de nuvens que não se movem…; Sertanejos, mire veja: o sertão é uma espera enorme;…Sertão é sozinho – Sertão é dentro da gente. Sertão é sem lugar!
Não foi difícil convencer uma plêiade de companheiros a nos acompanhar nesta aventura pelos Sertões e Veredas, a distância total da viagem é de 1140 km, de Ribeirão Preto à Chapada Gaúcha, MG.
A rota, rigorosamente marcada pelo GPS 276C, foi dividida em três etapas. As imagens mostram as estradas que percorremos, exatamente por onde passamos.
Saímos de Ribeirão Preto, dia 15 de agosto as 13h30m, com destino a Araxá.
Primeira etapa da viagem. Ribeirão Preto – Araxá.
A tela do GPS está com uma escala de 30 km por centímetro o que torna o mapa muito resumido.
O primeiro trecho da viagem Ribeirão Preto até Araxá. Queríamos tomar um banho sulfuroso nas Termas do Barreiro, o que por sinal foi ótimo. Nesta etapa passamos por: Brodósqui, Franca, Pedregulho, Rifaina, Sacramento (Mg) e Araxá. A estrada até Franca é a SP 334 – Cândido Portinari. De Rifaina até Araxá a estrada é a MG-248 (Rodovia Assis Chateaubriand).
Saímos de Ribeirão Preto as 13h30m, até Araxá foram 268 km.
A estrada é muito bonita, como poderemos ver nas fotografias a seguir.
Chegando a Araxá, fomos diretos para o Balneário. Ficamos até a noite mergulhando nas tépidas águas sulfurosas da piscina aquecida.
Coloquei algumas fotografias mais importantes desta etapa da viagem.
A seca em nossa região estava fora do normal. Segundo a televisão a umidade do ar estava nos mesmos índices dos desertos mais secos do mundo. Os tratores preparando a terra levantavam nuvens de poeira de maneira nunca vista por mim. E, quando os “ventos brigavam” formavam ciclópicos rodamoinhos, a impressão era de estarmos em um outro país. Os rodamoinhos subiam até grandes alturas, como torres de poeira vermelha buscando as alturas do céu. As flores amarelas dos ipês, que é a flor símbolo do Brasil, enfeitavam de forma harmônica a ressequida natureza da região.
No livro, Grande Sertão: Veredas, os rodamoinhos, para o personagem principal, Riobaldo, era a briga de ventos, e no meio destes estava, o cão, o capeta, o perdido. Quando viam este fenômeno, os jagunços de Urutu-branco se afastavam e se benziam; não era um bom sinal.
Estávamos no planalto, Franca e Pedregulho a média de 1000m de altitude. Perto do Rio Grande na represa de Jaquara, começamos a descer as escarpas do planalto para o vale do majestoso Rio Grande. Logo à frente desta reta tem uma curva muito perigosa, aonde um ônibus de estudantes de Sacramento, vindos da UNIFRAN, à noite, se despencou, matando numerosos jovens em um desastre horrível.
Esta vista é maravilhosa. O vale do Rio Grande, entre o planalto paulista e os Chapadões de Minas, que estão a mais de 1100m de altitude. Aquela serra que se vê, após a ponte, e na margem direita da represa, são contrafortes do Complexo da Canastra. Esta porção da Serra, é o prolongamento da Serra Preta que se inicia a mais de 70 km ao sul na região de Delfinópolis, depois de muitas voltas e escarpas, toma o nome de Serra das Sete Voltas. Já percorremos este Complexo de Serras, de moto e quadricíclo, é uma região de extraordinária beleza e onde nasce o Rio São Francisco. Iríamos 1.000km ao norte conhecer as nascentes de seus principais afluentes: Paracatu, Rio Preto, Urucúia, Pardo e Carinhanha.
As 16h30m, depois de rodarmos 290 km chegamos a Araxá. Em Sacramento paramos em um posto de gasolina que vende um pastel de queijo que é famoso em toda a região. Quem nos indicou isto foi o grande amigo José Milton.
Este florido pé de ipê amarelo nos deu as boas vindas ao balneário. Na primeira foto eu e Fábio; na segunda, Marcelo e Fábio. Deste ponto pegamos um atalho e saímos direto no Barreiro onde existe um complexo hoteleiro maravilhoso. Hoje este complexo é administrado pelo OURO MINAS HOTEL.
Não me canso de admirar nosso ipê amarelo. Seca terrível, queimadas, e ele impávido se cobre de flores amarelas como um símbolo de nosso imenso Brasil.
Depois do banho, fomos saborear a autêntica comida mineira, muito boa como sempre.
Esta é a fotografia oficial de nossa partida, foi tirada pelo Zelão. Estamos na porta do modesto hotel em Araxá onde pernoitamos. Assim começamos a viagem com muita sorte e alegria.
Seguindo viagem para Chapada Gaúcha.
Mapa da segunda etapa da viagem.
Uma região muito interessante, os escarpados do Complexo da Canastra, que se estendem de São João Batista do Glória e São Roque de Minas, ao Sul, chegam até próximo de Araxá do Noroeste desta grande região. Assim de Araxá para frente, rumo ao norte de Minas, caminha-se pelo Planalto Central Brasileiro, uma região muito grande e rica em terras e gente. A topografia caracteriza-se, durante os 800 km até Chapada Gaúcha, por vales suaves, esculpidos nestes últimos 65 milhões de anos, pelos ventos e pelas chuvas. Nestes vales têm infindas nascentes, que se unem formando pequenos riachos, que se encontram formando rios.O primeiro dia da viagem propriamente dito foi na quarta-feira, dia 16 de agosto 2006, pois, quando todos os companheiros estavam juntos. Saímos de Araxá as 9h30m da manhã.
Saímos pela BR-146 (Araxá a Uberlândia) andamos 62 km, entramos a direita na MG-187 até Perdizes (18 km), depois pela MG-365 seguimos até Patrocínio mais 8Km, pegamos a BR-354 até Patos de Minas.
Antes do Espigão Central de Patos de Minas, eles deságuam no Rio Araguari, que se estende para oeste até encontrar na região do Canal de São Simão com o Rio Parnaíba, aí o rio toma o rumo Sul indo se unir ao Rio Grande formando o majestoso Rio Paraná. Espinha dorsal de uma das maiores bacias fluviais do mundo a Calha ou Bacia do Paraná, que bem mais ao Sul, se encontra com dois outros grandes rios Uruguai e Paraguai, próximo à cidade de Buenos Aires.
Aí estamos em Perdizes. Eu e Zelão, L-200 e S-10. Tivemos uma parada técnica, muito importante, e perdemos uma hora de vigem. Na entrada da cidade havia a imagem de duas perdizes como símbolo, o que pode ser visto na primeira fotografia. Realmente quando viajamos, deixamos para trás nossas preocupações. Com amigos como estes, a viagem é só alegria e risos.
Na primeira fotografia estamos chegando à represa do Rio Araguari, Represa de Nova Ponte. Importante, salientar que neste planalto estávamos a mais de 800m de altitude. Quanta energia elétrica, essas águas ainda vão produzir se a cota de Itaipu é de 250m mais ou menos. Serão 500m, de queda, em mais de 1000 km de rios. O Brasil é realmente um país das águas, somente perde para o Canadá.
Na segunda fotografia estamos no trevo de Patrocínio, logo à frente entramos na BR-354, fomos até Patos de Minas, onde entramos na MG-365, até a BR-040 (Belo Horizonte – Brasília).
Este é uma fotografia da BR-040 cruzando o Chapadão. A estrada estava ótima. A seca terrível, contudo, os floridos ipês amarelos nos acompanharam por toda a viagem. Esta árvore é um ótimo símbolo para o Brasil, pois com toda a adversidade do clima ela cobre-se de flores amarelas, como um pendão de nossa eterna esperança (Segunda vez, que tenho vontade de falar isso).
Este é o famoso Rio Paracatu. Segundo Guimarães Rosa o Paracatu é moreno e o Carinhanha é preto.
Neste trecho a mata galeria está preservada. Ele ainda está no planalto, desce sempre manso para desaguar no Rio São Francisco. Tem um afluente muito importante que é o Rio do Sono, já pesquei nestes rios. No baixo Rio Paracatu, no tempo das chuvas suas águas são vermelhas de tantos detritos que descem pelo rio. As margens do rio foram devastadas, a mata galeria destruída para fazer carvão. Infelizmente é um rio que está morrendo em sua parte mais baixa. Tem lugares que está tão entulhado de material erodido (silte) que não se consegue passar nem com pequenos barcos. É a morte lenda de um rio que já foi uma lenda dos pescadores de tempos idos. A extração de ouro em suas margens e de seus afluentes, no início da colonização destes sertões, e ainda hoje praticada contribuiu, muito para a deterioração deste rio. Se nada for feito, para sua preservação, como eu disse: é uma morte anunciada.
Neste ponto chegamos a cidade de Paracatu. Saímos da BR-040 e pegamos a estrada a direita para Unai. Teríamos 102 km de distância pela frente, até Arinos, antes dos 100 km de estrada de terra, para chegar ao destino. A estrada muito bonita, cruza por dois grandes vales e duas Serras, que cortam o trajeto de norte para o sul. São grandes espaços, horizontes que se perdem nas distantes serras. O céu azul, com manchas brancas, confundia-se no horizonte e parecia estático perante a velocidade em que andávamos. Nas retas pisava-se fundo nas caminhonetes. Pode-se ver no traçado do GPS que de Paracatu a Unai é praticamente uma reta em direção ao norte.
A chegada em Unai foi uma surpresa, pelo tamanho da cidade. Ela tem mais de 75,000 habitantes. É uma cidade tipicamente de regiões novas, de progresso ligado ao agro-negócio. Prédios de apartamento, mas, ruas esburacadas e sujas, e sem um traçado definido. Muito movimento, e um pouco de desorganização. Para sair da cidade cruzam-se numerosos bairros de periferia, com uma lombada logo após a outra. Enxame de motos nos cortando por todos os lados, como em nossas cidades mesmo! É o progresso?
Esta é uma fotografia do Google-Earth, mostrando a cidade. O Rio Preto, majestoso, cruzando o norte da cidade.
Bairros esparramados pelas periferias da cidade por todos os lados. São as pessoas da área rural, que substituídos pelas máquinas: colheitadeiras, grandes tratores e outros implementos, perdem o emprego e migram para a periferia das cidades.
Como eu disse oficialmente a cidade tem 75.000 habitantes, mas estima-se hoje que com estes fatores migratórios tenham mais de 110.000 moradores. Este é um dos motivos do caos, do sistema de saúde, ensino e urbanização.
De Unai partimos para Arinos, o último trecho asfaltado da viajem.
Saindo de Unai passa-se pelo Rio Preto. É o primeiro rio que passamos que nasce nas serras, ou chapadões que estão sobre o Aqüífero Urucuia. O Aqüífero Urucuia começa nesta região de Unai e Arinos e se estende até o sul do Piauí. É um importantíssimo reservatório de água no subsolo de toda esta imensa região. Ele situa-se a uma média de 300m a 600m de profundidade. Na Baía, a maior parte das lavouras irrigadas, é por poços artesianos que tiram água deste aqüífero. Existe uma preocupação muito grande com seu esgotamento, pois as áreas de recarga, como, O Parque Nacional de Grande Sertão – Veredas são insuficientes para sua recarga total, acreditam os técnicos.
No meio do caminho, entre Paracatu e Unai, os amigos precisavam fazer uma parada técnica. Por dois motivos: Primeiro, comprar mais cerveja, as duas dúzias que haviam comprado haviam acabado; o segundo motivo, desaguar as cervejas tomadas. Compraram todas as Skol que o homem tinha em estoque, e comemos os mais deliciosos e vencidos salgados do bar. Em sã consciência acredito que normalmente ninguém enfrentaria aqueles salgadinhos.
Paramos neste posto (Foto) para a comemoração. Estávamos em um ponto geográfico importante, um divisor de águas. Ali as águas das chuvas e nascentes correm para a Bacia do Rio Francisco. Deixamos a bacia do Rio Grande há muito para traz (250 km). Deste ponto para frente desceríamos aos poucos, e todas as águas, da chuva ou das nascentes correm para o Grande Rio São Francisco, nesta imensa vertente, da margem esquerda, deságua seus principais afluentes: Paracatu, Urucuia e Carinhanha. Estava emocionado, pois iria passar por todos estes rios.
Um esclarecimento.
TERRA DO MEIO: É uma região pouco citada pelos geógrafos. Fica no planalto a Oeste da região de Brasília, ou seja, do Detrito Federal. É um planalto divisor de águas.
- As nascentes da vertente Sul da Terra do Meio correm para o Rio Grande, Parnaíba formando o Grande Rio Paraná.
- As nascentes e vertentes que ficam para o lado Oeste (Brasília) correm para o Rio Tocantins.
- As nascentes e vertentes, da Terra do Meio, voltadas para Este, correm para o Rio São Francisco.
Aí está a localização, da Terra do Meio, foto do Google Earth.
Realmente não é corriqueiro interpretar uma foto de satélite como esta. A imagem foi tirada a mais de 30 km de distância, assim, as escalas são imensas. Com o tempo, contudo, acostuma-se interpreta-las o que as tornam importantes para entendermos as regiões onde andamos. Há muito, tento imaginar os divisores de águas de nossas imensas bacias hidrográficas, hoje com o auxílio destas fotografias dos satélites e os recursos dos computadores, tudo está ficando mais claro para mim. O conhecimento desta Terra do Meio foi um achado para minha compreensão, do relevo do Planalto Central Brasileiro.
Por exemplo, a estrada BR-040 corta o Espigão Central rumando direto para o norte, até Paracatu, depois desvia lentamente para noroeste até Brasília, DF. Este Espigão (do lado oeste) e a Serra do Espinhaço (do lado Este – cortando o estado de Minas ao meio, de Norte ao Sul), delimita a grande Bacia do Rio São Francisco.
Viagem:
Esta é a paisagem típica dos Gerais entre UNAI e ARINOS, grandes retas no plano, o bom asfalto ladeado pelo nativo capim Jaraguá ressequido pela seca. Nestas grandes retas, tínhamos vontade de pesar fundo no acelerador. O Marcelo ficava me atentando, doutor, o piloto automático pode ser regulado até 140 ou 150 se a gente quiser? Bem é o que ele queria.
Mantive a calma em todo caminho da ida para Chapada Gaúcha. Na volta para Ribeirão Preto as coisas foram um pouco diferentes.
Este é Rio Urucúia.
Rio Urucuia.
Famoso Urucúia, para nós o início do Sertão, antigo manancial de peixes e ouro de aluvião. Neste ponto o rio corre manso e limpo.
O Urucúia nasce lá para Oeste, e vem cortando Sertões, com boas terras e boas árvores de madeiras ainda virgens. Deságua no rio São Francisco aproximadamente a 300Km deste ponto.
Segundo Guimarães Rosa: Rio é o São Francisco (o Velho Chico); os demais, Riachos: Urucuia, Carinha e Paracatu. Os outros são nascentes nas veredas que se juntam para formar Riachos.
Dá para entender o grande escritor, pois quando se atravessava o caudaloso São Francisco, em precárias balsas, na década de 40 a 50, deveria ser uma emoção indescritível para quem havia saído de Cordisburgo, sua cidade de origem. Trotando pelos Gerais, em tropas de cavalos e mulas de carga, rompendo serras e veredas, cobertos de poeira, a chegada ao Carinhanha, por exemplo, era como um riacho. Onde se podia banhar, jogando fora água a baixo o cansaço, o calor escaldante e a sede. Para mim, chamar um Urucuia de Riacho é uma forma carinhosa de demonstrar sua alegria em poder banhar e mitigar a sede de todos, homens e animais. Ali, faziam seu acampamento, matavam uma capivara e queimavam o alho para fazer o feijão. O Riacho era o descanso, era a marca dos infindos Gerais do Sertão.
Escreve Guimarães Rosa: RIO URUCÚIA, de águas bravas, que corre torto serra a baixo. (Pescar peixes nas veredas).
Claras águas brotando de fontes sombreadas de sol entre pedras esverdeadas pelo musgo dos tempos. Pequenos lambaris, de nadadeiras vermelhas, riscam as límpidas águas em pequenos cardumes que parecem sombras coloridas errantes, entre o sombreado das folhas que se agitam.
Logo depois do Rio Urucuia, na estrada, 1 km mais ou menos, havia um posto dos guardas rodoviários federais. Mandaram-nos parar. Sabíamos que não podíamos ficar na ponte. Queriam nos multar, mas depois de um pouco de explicações nos deixaram ir, sem multa.
ARINOS.
Fotos da cidade de Arinos. A primeira foi tirada da internet.
Ela está às margens do Rio Urucúia, que passa a Sudeste da cidade.
É uma atração turística importante. Sempre ouvi falar desta cidade, a imagina muito maior, não digo que foi decepção, não! Para as distâncias que ela se encontra, encravada como um marco, no meio do Grande Sertão das Gerais, ela é um apoio para as dezenas de vilas, lugarejos e assentamentos que existem em um raio de mais de 200 km.
O único asfalto que chega à cidade é por aonde viemos de Unai e olha que são quase 200 km de distância. Seguindo-se, pela mesma estrada, agora de terra, para Nordeste de Arinos a 200 km está Januária, e a Sudeste, atravessa-se o Rio São Francisco e chega-se à cidade de São Francisco, ambas a 200 km de distância.
Nós seguimos para o norte, em direção a CHAPADA GAUCHA, nosso destino.
São 100 km de estrada de terra, mas muito boa para caminhonetes. Tinha uma camada de mais de palmo de poeira, o Zelão deve que dar uma distância de mais de 15 km para não ir comendo poeira.
Neste trecho a caminhonete S-10 já começou a surpreender, pois na estrada de terra dava para se andar a 100 km por hora, como se fosse um asfalto. E nas trilhas que fizemos à suspensão da máquina teve um desempenho excelente.
As 17h 30 minutos, chegamos a Chapada Gaúcha.
Nota: No livro Grande Sertão – Veredas; o personagem principal Riobaldo, que narra toda a história diz: “Nas grandes travessias que fizemos, somente a gente se lembra, do começo do caminho e do fim, na chegada”.
Para os tempos de Guimarães Rosa, e mesmo o meu, de antigamente, isso era a pura verdade. Os caminhos eram longos, o caminhar lento, mesmo com os fordinhos daqueles tempos. As estradas muito precárias. Eram trilhas. Quando não, viajava-se a cavado, carro de boi ou carroça de mulas. Assim lembrava-se muito bem da saída, e a mente se concentrava em conseguir chegar. Era como um túnel, a ser percorrido. O piso, areia, buracos, barro, costela de vaca ou ribanceira. A chegada era uma vitória, pois significava o fim o destino.
Hoje, com ótimas estradas e conduções. Internet com o “Google Earth”, e o indispensável GPS, a viagem é uma emoção contínua. Fiz questão de descrever esta viagem para tentar mostrar um pouco deste Brasil, maravilhoso e tão vilipendiado.
Fizemos todos os trajetos tranqüilos e seguros, sem perguntar nada a ninguém, pelo GPS, não nos perdemos. A todo o momento sabíamos exatamente onde estávamos e para onde iríamos, e o tempo que levaríamos para o destino. Tudo isso torna a viagem uma grande aventura e uma forte emoção.
Mapa da terceira e última etapa da viagem.
Aí esta o traçado super-resumido do último trecho de nossa viagem, são fotografias da tela do GPS 276C, a rota, como pode-se ver, foi divida em 3 etapas, sendo esta última a mais longa de todas.
Passamos Patos de Minas e 8 km à frente entramos para Presidente Olegário na MG-354, passamos pelas cidades de Ponte Firme e Lagoa Grande, onde pegamos a BR-040 (Belo Horizonte – Brasília) com destino a Paracatu e Unai. Até Paracatu a estrada é movimentada com muitos caminhões. Em Paracatu pega-se a MG-188 à direita e com rumo ao norte, até Unai, passa-se dentro de um bairro da cidade, toma-se rumo nordeste com destino a Arinos. Em Arinos, continua-se praticamente no mesmo rumo, em estrada de terra (muito boa) até o destino Chapada Gaúcha.
Chegada a Chapada Gaúcha: A chegada foi um impacto, lembrei da cidade de Dourados MS, há 40 anos atrás. Nenhuma rua asfaltada, uma poeira que invadia tudo. Chegamos a nos perder dos companheiros no meio da poeira. Logo nos localizamos e nos acostumamos com tudo, era o Sertão!
Achar o hotel foi na “boca a boca”, pois passamos duas vezes em frete a ele e não o identificamos, pois não tinha nenhuma placa de sinalização.
Voltarei à cidade daqui a 10 anos, tenho certeza de seu progresso. É ver para confirmar.
O jantar: Pelo ataque dos “índios Kalapalos” pode-se imaginar quanta “viajada” estava nossa fome. Na primeira mesa eu ataco minha fome “antiga”. Na mesa, no lugar dos amigos as inseparáveis latinhas de Skol a espera.
Na segunda fotografia, todos comendo a saborosa comida do melhor restaurante da cidade. As sumidas luzes, ao fundo, são da praça principal da cidade, que por sinal é um quarteirão de terra batida. Ao lado desta “praça” está a prefeitura municipal e a delegacia de polícia.
CHAPADA GAUCHA,
PARQUE NACIONAL GRANDE SERTÃO – VEREDAS.
DIA 17-08-2006.
Aí está a fotografia da região de Chapada Gaúcha, tirada a 30 km de altura. No centro está à cidade, no meio da fotografia, os retângulos simétricos são as áreas de plantação dos gaúchos, elas vão até os vãos ou Buracos. Estes são ravinas, íngremes que descem mais de 300m, para os Campos Gerais, de topografia regular e rica em sedimentos arenosos. Guimarães Rosa descreve muito bem a cena dos cavalos e mulas de carga, subindo estas vertentes íngremes e as chamam de: “Rói Rampas ”.
Onde a seta está apontando para o Parque Nacional Grande Sertão Veredas é a nascente do Rio Preto, perto da cidade de Chapada Gaúcha, ele é um importante afluente do Carinhanha, está a Noroeste da cidade.
A Este da cidade, no Vão dos Buracos nasce o Rio Pardo, que esculpiu durante os últimos milhões de anos, um grande cânion, com mais de 40 km de extensão, em direção a este, este rio deságua no Rio São Francisco.
Mapa esquemático do Parque Nacional Grande Sertão Veredas.
Sertão é palavra nossa não tem em outras línguas. É o inverso da cidade e da civilização. Sertão é nosso mar interior (Darcy Ribeiro).
O Sertão de Minas é chamado de Campos Gerais – os Gerais. Começam ao norte das cidades de Corinto e Curvelo e se alargam para noroeste até se molhar nas águas escuras do Carinhanha, até esbarrar nas serras de Goiás, até se mergulhar sobre as terras da Baía.
Guimarães Rosa gostava mesmo era dos Gerais. Do “Alto-Norte brabo” que começava depois de Cordisburgo, sua cidade natal. Ele conversava com todo o povo destes Gerais e depois os imortalizou em seus memoráveis livros. O Sertão dos Gerais é recoberto pelo cerrado. O chão é arenoso, as árvores, para se proteger da seca e das queimadas, têm a casca grossa e os galhos retorcidos, os arbustos tem espinhos. Guimarães Rosa conhecia de longe as árvores do cerrado: imbaúba, barbatimão, pequizeiro, jatobá e outras. O buriti enfeitava as veredas.
Diz Guimarães Rosa: “O senhor estude: o buriti é das margens, ele cai seus cocos na vereda – as águas levam – em beiras, o coquinho as águas mesmo plantam; daí o buritizal, de um lado e do outro se alinhado”.
Esclarecimento: A cidade de Corinto, antiga Curralinho, fica na margem direita do rio São Francisco. É considerada a cidade que fica no centro geográfico do Estado de Minas Gerais. Está às margens do médio Rio das Velhas. Foi um importante pouso dos trapeiros que se dirigiam ao norte de Minas e a Baía. Era chamada da Porta do Sertão.
O Rio das Velhas é o principal afluente da margem direita do Rio São Francisco, em extensão é o maior rio tem mais de 800 km. Passa por mais de 50 municípios, nasce perto de Ouro Preto, passa por Belo Horizonte, que é o maior poluidor de suas águas. Tem direção de sudeste para noroeste, passa por Corinto, Curvelo, Cordisburgo, entre muitas outras cidades. Deságua a jusante da cidade de Pirapora. Como afluente do Velho Chico, em volume de água, perde para o Rio Paracatu.
Primeiro dia em Chapada Gaucha:
Este é nosso hotel (Veredas), estamos nos preparando para iniciarmos os passeios. Em primeiro lugar fomos ao IBAMA, pegar os papéis, com o chefe Sr. Kolbe Soares e também o guia, Sr. Anderson Lopes Santana, depois saímos com destino ao Parque Nacional.
O guia era muito bom e nos foi explicando tudo sobre a região. Para mim foi uma experiência extraordinária, pois os campos e os cerrados do parque lembraram-me de forma muito viva, minha infância nos campos de Casa Branca, cinqüenta anos atrás. Eram os faveiros, com suas pequenas folhas em leque, com as quais cobríamos as cestas do cajuzinho do campo.
Hoje lá, na região do sertão, eles chamam essa árvore de ficheiro, pois colhem sua semente, que é semelhante a uma ficha, e exportam para a Alemanha. Ela serve para fazer um remédio muito importante, se não me engano para a pressão. Estas sementes representam uma importante fonte de renda para os moradores da região.
Este é o muro da sede do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. O nome foi dado em homenagem ao escritor Guimarães Rosa, o parque preserva parte do planalto denominado Chapadão Central, que divide as bacias dos rios São Francisco e Tocantins (Terra do Meio). Com topos relativamente planos, sua altitude varia entre 600 e 1200 metros, enquanto os vales limitados por margens bem definidas, têm áreas de inundações.
O solo é constituído em grande parte por sedimentos aluvionares, de tipo arenoso, que preenchem as calhas dos rios e se estendem às suas planícies de inundação. Ocorre também a formação Urucúia, caracterizada por depósitos fluviométricos, de coloração quase sempre avermelhada. Teremos oportunidade de ver a poeira vermelha, em muitas ocasiões durante nossos passeios pela região, e, mesmo na estrada de Arinos à Chapada Gaúcha.
A vegetação é dominada pela savana, ou cerrado, com mata de galeria nas margens dos rios: Preto e Carinhanha.
O Parque Nacional Grande Sertão – Veredas, foi criado em 12 de abril 1.989, com sede no Município de Formoso, abrangendo os estados de Minas Gerais e Baía. .
CIDADE DE CHAPADA GAUCHA.
Aí estão 2 fotografias que representam a cidade de Chapada Gaúcha. Na primeira o aspecto da rua que passa em frente ao Hotel. Na segunda, é da avenida que corta a cidade. Seguindo reto por esta avenida, a gente sai na estrada que vai, com destino a Vila das Araras, Januária e São Francisco, em direção a Este.
Perpendicular a esta avenida, tem uma outra estrada, de onde viemos de Arinos, continuando reto ela passa por Chapada Gaúcha, e vai para a cidade que se chama Montalvânia. É o nome do fundador da cidade e quem em décadas passadas fez a estrada. Ele queria ligar sua cidade a Brasília.
Trilhas GPS 276C.
Este é traçado de nossos caminhos nas viagens que fizemos em toda a região: Ao Parque Nacional Grande Sertão – Veredas e a outros lugares que visitamos.
A escala é de 30km por centímetro, muito reduzida por sinal. Contudo os “tracks”, que fizemos são absolutamente fiéis ao traçado apresentado. Estão nominados os principais pontos para serem identificados no filme e nas fotografias.
– Nas trilhas do setor Norte, Rio Carinhanha e Rio dos Bois. Andamos mais ou menos 188 km, no primeiro dia.
– As trilhas do setor Sudeste, Vão dos Buracos, Buraquinhos e Serra das Araras deu 230km, no segundo dia.
A mancha verde do Parque Nacional em Minas Gerais, a área do parque na Baía não está representada no GPS.
NO PARQUE NACIONAL.
Esta é a trilha típica do Parque Nacional. São grandes areões e estradas apertadas entre árvores retorcidas típicas do cerrado. Caminha-se nas trilhas em suas curvas, de antigas andanças, talvez iniciada pelos índios Caiapós, que moravam nestas regiões. No alto das elevações, descortinam-se longos horizontes de infindáveis veredas e sertões. Realmente são grandes estes abertos, são infindáveis estes estirões, estávamos entrando no tão bem descrito: O Liso do Sussuarão, travessia dramática, contada por Riobaldo (Urutu-branco), ao compadre Quelemem. Quando seu bando de jagunços, chefiado por Medeiro Vaz, tenta chegar ao estado da Baía, cruzando o Rio Carinhanha, para dar combate ao chefe jagunço, Ricardão.
Das areias soltas, sente-se o forte das descrições de Guimarães Rosa em seu principal livro: Grande Sertão : Veredas. Os animais sedentos, cobertos de branco do suor evaporado e da poeira das trilhas, cambaleantes, ofegantes, trôpegos, cruzando a passos o Liso do Sussuarão. A descrição ganha muita força ao cruzarmos estes mesmo lugares, é incrível a precisão das descrições do imortal Guimarães Rosa, o autor diz: Liso do Sussuarão. (lugar deserto, difícil de passar, bandidos escondiam depois dele, água não tem, se emenda em si mesmo, lá não tem excrementos não tem pássaros).
Nesta fotografia estamos na entrada oficial do Parque. De um lado, direito, a plantação de braquearia que ameaça o Cerradão do Parque Nacional. Este capim é estrangeiro nestas terras, é um invasor terrível. Perto da sede do parque, fazenda Carinhanha, já existe muitas moitas deste capim. Como no parque não pode ter animais, vacas principalmente, o capim não terá nenhum “inimigo” natural, assim com o passar do tempo ele terá toda a oportunidade de invadir o Parque, mudando radicalmente sua ecologia. É esperar para ver.
IMPORTANTE FALAR UM POUCO DA GEOGRAFIA DA ÁREA E DO PARQUE.
Os chamados Gerais compreendem a faixa que vai do Noroeste de Minas Gerais ao Sul do Piauí, passando por todo Oeste baiano, na margem esquerda do rio São Francisco. A ocupação humana da região se confunde com a do vale do São Francisco, habitada por populações pré-históricas há 11 mil anos. Depois passaram pelo local os índios Caiapós e os bandeirantes. Mais recentemente, a população é menor, e esparsa, sobrevivendo à custa da agricultura de subsistência e da criação do gado.
No final dos anos 70, o local começou a sofrer pressões advindas da expansão do cultivo da soja no cerrado.
Para preservar a vegetação, parte responsável pela recarga do Aqüífero Urucúia, e onde nascem os mais importantes rios da margem esquerda do São Francisco, em 1989 foi criado o Parque Nacional, e em homenagem ao escritor ele se chama: Parque Nacional Grande Sertão – Veredas.
As grandes plantações ontem de soja, hoje de milho e semente de capim, fazem uma pressão imensa sobre o Parque, em virtude de agrotóxicos, de fogo que é colocado nas palhadas e mesmo de aumento da área de suas plantações, pois o parque está na Lei, mas, ainda não se completaram as desapropriações e sua rigorosa demarcação.
Estrada de chegada ao Parque.
Está é uma estrada de terra típica desta região, na seca, pois quando chove, tudo muda de figura. Na primeira fotografia estamos cruzando com a Nissan do IBAMA, onde estava o chefe Kolbe Soares, não deu tempo de parar.
Na segunda fotografia, assim como na primeira, podemos ver que, do lado direito estão as terras cultivadas, do lado esquerdo o cerrado, o sertão! Segundo o guia existe uma guerra feia entre os dois. As terras cultivadas, sempre ganhando terreno do cerrado, são as queimadas, e depois nos recantos distantes, onde as demarcações são imprecisas, as grandes máquinas agrícolas, aos poucos vão invadindo tudo. Como disse um sábio: “ Quem dorme com elefante, sempre tem medo de ser esmagado”.
Estradinha dentro do Parque. Grandes recordações do passado. Há mais de 50 anos, a estrada que ligava Casa Branca, Lagoa Branca, Mogi-Mirim e Campinas, era assim. Campos, como diziam os mais velhos, não valiam nada! Só areia e uma terra ácida, sem serventia nenhuma. Conheci áreas comuns de campos em Casa Branca, ninguém era dono, queimava-se o campo, na brota todos soltam seu gado. Quando vinha a seca, eles as apartavam, sem problema nenhum. Hoje em Casa Branca e região estes mesmo campos são as terras mais valorizadas de toda a região.
Dizem que o presidente dos USA, Roosevelt, quando esteve em São José do Rio Pardo, passando de trem pelos campos de Moigi-Mirim a Casa Branca, disse: Não entendo os Brasileiros. Plantam café no meio das pedras e serras, e deixam estas terras planas e boas abandonadas! ”
Aqui fizemos uma importante parada, (Parada do Veadinho), é um ponto dos mais altos dentro do Parque, avistamos o Vão em cujo topo está a cidade de Chapada Gaúcha . Como o lugar é muito alto, pode-se ter uma visão da parte sul do parque. Avistamos também a vertente onde nasce o Rio Preto.
Ao longe, filmamos os três morros Dos Três Irmãos, um marco referencial precioso para os viajantes de tempos passos. Era o balizamento para o Rio Preto, na caminhada para o esconderijo de Antônio Dó, e para quem buscava o Carinhanha e a travessia até à Baía.
No distante horizonte está o início, lado Este, do Parque Nacional Grande Sertão – Veredas. Ele tem uma boa área em Minas Gerais e outra maior no estado da Baía. “Aí: o Sertão se emende em si mesmo” é “ maior que o mar.
Uma visão para o lado Sul do PNGSV (Parque Nacional Grande Sertão Veredas). Cerrado alto, que se estende a perder de vista. Salienta-se no distante horizonte o Morro dos Três Irmãos, era um marco importantíssimo para o jagunço Antônio Dó, chegar a seu esconderijo no Rio Preto. Iremos até lá conhecer o lugar, que fica às margens do Rio Preto.
A estrada é uma pintura, gravada em minhas recordações, do livro de Guimarães Rosa e de meu passado, distante. O que recobre os Gerais é o cerrado. Chão de areia, árvores tortas, arbustos espinhudos: quando não é pasto para o gado, é paisagem de savana tropical, que era rica em bichos e em plantas, como: palmeira buriti, barbatimão, pequizeiro, barriguda, jatobá, taquari, mangaba, caju do campo, faveiro, entre outras.
Esta é a abandonada fazenda Carinhanha. Quantos sonhos enterrados nestes casarões, quanto dinheiro perdido, quantas almas entristecidas pelo insucesso da empreitada, quantos empregos…A vida continua, hoje, apenas uma casa é usada como sede do IBAMA no Parque, para tomarem conta de toda esta imensa região.
Estamos em uma das sedes do Parque. Esta se localiza dentro da área da antiga fazenda Carinhanha. Era uma imensa fazenda, com muitas construções, refeitórios, bela casa da sede e com mais de 100 empregados. Com o declínio do gado na região, os donos faliram e a abandonaram, foi desapropriada para a inclusão no Parque.
No total o Parque hoje tem mais de 250.000ha, abrangendo o estado de MG e BA.
Na primeira fotografia, estamos nós com os dois guardas-parque, que devem olhar de toda uma imensa região, como os jagunços, a cavalo. Eles não têm condução motorizada. Nos últimos dias uma onça, matou e comeu um dos cavalos dos guardas.
Senti nos guardas até certo orgulho ou felicidade, não sei bem, por que, pelo fato de uma onça ter comido um dos animais deles. Foi como se eles estivessem cuidando tão bem da área que as onças já estavam se aproximando da região.
É um problema isso, em outras áreas, pois quando um fazendeiro perde um animal para um felino, o primeiro impulso dele é partir para matar o “animal assassino”!
Na segunda fotografia, eu estou à frente de um majestoso pé de Pequi, uma árvore protegida por leis severas e representa a dicotiledônea mais famosa de todo o sertão. Produz frutos que serve para tudo: Licores, mistura-se no arroz, no frango, come-se puro, etc,etc…
Importante notar nesta foto que o capim que circunda a área do pequizeiro não o nativo da região, o barba-de-bode, mas a invasora baquearia que está presente em todo o contorno do parque e de onde tiram a semente para vender para todo o Brasil e para o exterior.
A primeira fotografia é de uma palmeira chamada de canela de ema, ela cresce até uns 2m e depois seca. É muito citado por Guimarães Rosa, nas andanças pelos Gerais, pois quando seca é um excelente material para se fazer um “fogo esperto” para “queimar um alho” ou fazer um café. Na segunda foto o ipê-amarelo em destaque, uma árvore retorcida, com a casca grossa e que resiste às queimadas, é um enfeite para o sertão.
O GPS está marcando a posição real da caminhonete em relação ao Parque, é o pequeno triângulo na fotografia, que está do lado de Minas Gerais, mas bem na divisa, às margens do Rio Carinhanha. O mostrador do aparelho mostra também a altitude que estamos, isto é, 702,7 metros. Isso significa que o rio ainda corre no planalto. O verde da imagem na tela é uma parte do Parque Nacional que está em Minas Gerais, a outra parte mais a oeste, está no estado da Baía.
Esta estrada simpática acompanha uma vereda (Trilha das Veredas), margeando o Córrego da Onça. Os pés de buriti nascem ao longo das veredas plantados pela própria natureza. Normalmente, as estradas e trilhas, corriam entre as veredas e o cerrado.
Trecho de Grande Sertão : Veredas: “ E o buritizal: de todas as alturas e de todas as idades, famílias inteiras muito unidas: buritis-velhuscos, de palmas contorcionadas, buritis-senhoras, e, tocando ventarolas, buritis meninos”.
Estamos com a filmadora no meio de uma vereda e gravamos esta imagem em direção ao cerrado, nota-se perfeitamente uma nítida divisão entre um e outro. Isto é entre a vereda e o Cerrado. Segundo o guia, são as condições do solo: acidez, umidade, que não permitem que as árvores do cerrado invadam as veredas e vice-versa.
Nestas fotografias pode-se perfeitamente as veredas, o cerrado, os buritis e as buritiranas ou Xiriri.
BURITI: É a palmeira símbolo das veredas. Existe um palácio que se chama Palácio do Buriti, em Brasília, que é a sede do governo do Distrito Federal. Este buriti, em frente ao palácio, foi mandado plantar por Lúcio Costa em 1959, quando em 21 de abril do mesmo ano a capital foi inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Do buriti, eles usam tudo: As folhas – para cobertura das casas; o caule para todos os tipos de construções; a fruta – alimento, farinha, protetores solares (Natura), coco-de-palmeira buriti.
Buritirana ou Xirixi: Também chamado de mãe do sertão. Seu fruto é colocado na água, e depois de algumas horas, solta um leite, de ótima qualidade, que é dado às crianças. De seus caules tira-se fibras de grande resistência.
Vassourinha ou alecrim: Usado como vassoura e também para limpar as cinzas de forno à lenha.
Segundo os antigos quando um forno é limpo com alecrim a carne ou pão a ser assado no forno tem um sabor muito bom e inigualável.
Já cheguei ir ao brejo pegar alecrim para limpar forno e assar leitoa.
Chegamos no Rio Carinhanha.
Rio Carinhanha, de um lado Minas Gerais onde estou, na outra margem (esquerda) a Baía. Há quanto tempo espero por este encontro. Desde que ouço falar dos Gerais, do Sertão, de Riobaldo, cavalgando, léguas e léguas, para atingir suas águas. Queria muito conhecer estas veredas. Ver suas águas mansas e limpas. Assistir o encontro do córrego da Onça, com seus cardumes de pequenos peixes, desaguando no Carinhanha e depois, mais a baixo, o rio traça uma vereda balizada por imponentes Buritis. Este foi para todos nós um dos momentos mais importantes da excursão.
Nota: O Rio Carinhanha nasce no estado de Goiás. Percorre cerca de 450 km e deságua no Rio São Francisco, é seu quinto maior afluente. Nos lugares por onde andamos, ele ainda guarda uma razoável biodiversidade, mas, se não houver nenhuma medida para conter o ataque impiedoso à natureza, não irá demorar para ele torna-se mais um rio de morte anunciada no Brasil.
Na primeira fotografia um riacho, absolutamente limpo, chamado Córrego da Onça. Como já mencionei, ele deságua pouco a baixo, de onde estamos, no rio Carinhanha. Na segunda fotografia estamos todos reunidos para uma fotografia histórica, no Grande Sertão – Veredas.
Nota: Esta terra arenosa, ao fundo da fotografia, é uma erosão iniciada às margens do rio. Toda areia deste desbarrancado cai no rio, que lenta e ininterruptamente a transposta, assoreando todos os lugares por onde depositando e passando, chegando até o rio São Francisco. São milhares de erosões como esta, pois a mata ciliar foi destruída e os buritis, em sua grande maioria foram cortados.
Na primeira fotografia nosso grande técnico de filmagens o Fábio, meu sobrinho, de costas para uma vereda enfeitada de buritis. Na segunda fotografia estou de costas para o Rio Preto, que desce limpo de sua nascente na serra, brotando das vertentes do Aqüífero Urucúia. Logo a baixo de onde estou ele deságua no Rio Carinhanha. É um encontro de águas limpas, de lugares inesquecíveis e visto por poucas pessoas, segundo nosso guia.
Fábio relutante enfrenta a água fria do Rio Preto, em seu encontro com o Rio Carinhanha. Notem como é limpa a água do Rio.
Esta fotografia é de um lugar muito especial. O limpo e gelado Rio Preto lançando suas águas no quente Carinhanha. Diz Guimarães Rosa: O Paracatu é moreno o Carinhanha preto. Do lado esquerdo da fotografia, margem direita do rio, o grande Estado de Minas Gerais, no outro lado, direito da fotografia, o estado da Baía.
Segundo nosso Guia, que chegou a ler um trecho de Guimarães Rosa nesta barranca de rio. Tem dois trechos do romance, que retratam esta região: No primeiro, Guimarães Rosa diz que o Rio Carinhanha e o Piratininga, nascem na mesma vereda, no município de Formoso, mas um de costa para o outro, o primeiro corre para o São Francisco e o Piratininga corre para o Urucúia.
O guia às margens do Carinhanha, lê com ênfase, Guimarães Rosa, muita cultura, neste Sertão. Graças indiscutivelmente a um homem, que soube entende-lo, e transcrever suas histórias.
Diz Guimarães Rosa: “Água nos Gerais viaja assim: aflora do fundo da terra, vira córrego, vira rio e depois vai desaguar no Velho Chico”.
Nota: Hoje sabemos, as águas brotam do Aqüífero Urucúia. Quando ele disse isto não se conhecia este reservatório imenso no subsolo da região.
No segundo, trecho do livro, Riobaldo em sua trágica travessia do Liso do Sussuarão, isto é, dos Rios Urucúia & São Francisco, para o estado da Baía, sonhava em chegar nesta passagem, Rio Preto & Carinhanha, para montar acampamento, se lavar e dar de beber à tropa estropiada. Na realidade, o bando não conseguiu completar a travessia, pois, animais morreram de sede, outros punham sangue pela “venta”…tiveram que retornar.
Estamos ( Pedro Baía, Zelão, Marcelo e Elias) à frente de um pé de Pimenta-de-macaco, é uma árvore muito comum em todos os campos e cerrados do Brasil. Eu a conheço deste menino, mas nunca vi um macaco comendo suas pimentas. Na segunda fotografia estou à frente do Rio Carinhanha, temos uma filmagem de todos atravessando o rio para chegarem à Baía. Isto sim que é chegar à Baía nadando, incrível este feito!
Aí está um feito heróico, atravessar a nado de Minas Gerais para a Baía. Os companheiros fizeram isso. Ficamos realizados.
Marcelão, o Olímpico!
Todo mundo contentou-se em atravessar de Minas para a Baía a nado, mas o Olímpico Marcelão quis atravessar no pulo. Saiu correndo e deu o maior pulo que conseguiu, mas não deu. Não desanimou, foi no nado mesmo. Não contente, tentou o inverso, saltar da Baía para Minas, no pulo, parece-me que enterrou na areia do Carinhanha.
Esta é uma típica e importante vereda do Rio Carinhanha. Os companheiros estão nadando. Boiaram rio a baixo. À direita da fotografia Minas Gerais (Marcelo sentado na praia). Zelão boiando no meio do rio, dizia estar com um braço em Minas e o outro na Baía. Pedro e o guia caminhando pelas praias na margem esquerda, Baía.
Este é o Rio Carinhanha, perto da cidade do mesmo nome. Esta fotografia foi tirada da Internet, ela retrata o rio pouco antes de sua desembocadura no Rio São Francisco. Observar as lavadeiras, moradoras ribeirinhas. Como rotina se encontram às margens do rio para seu trabalho. Certamente colocam as fofocas da região em dia também.
Segunda Parte da Viagem dentro do Parque Nacional G.S.V..
Saímos com destino ao Rio Pardo. Iríamos conhecer um marco importante do histórico de idos tempos. Era o acampamento onde um jagunço famoso, Antônio Dó, descrito por Guimarães Rosa, havia feito seu esconderijo e acampamento para fugir da polícia. Conhecemos uma pessoa Sr. Zé Bandeira que nos contou algumas histórias de suas maldades pelo sertão.
Nesta fotografia, estou à frente de um pé de cajuzinho-do-campo. Existem moitas e moitas desta preciosidade por toda a reserva. O guia está à frente de um pé de gabiroba, que dá uma fruta muito apreciada por pelos animais silvestres do parque.
Descreve Guimarães Rosa: Quando se sai de uma vereda as árvores vão se espaçando, o capim raleando parece que o mundo vai se envelhecendo no descampante.
No trajeto 2, assinado no mapa.
Neste segundo trajeto fizemos uma trilha incrivelmente linda. Filmamos algumas aves. Atravessamos trilhas esburacadas com as caminhonetes em marcha reduzida. Ao longe no horizonte, vimos as escarpas das encostas do “Roi Rampas”, que se situam a Oeste dos Vão dos Buracos. Elas correspondem às encostas dos chapadões, que abruptos despencam para as nascentes do parque. Estas escarpas são como cortes imensos expondo pequenas fendas do Aqüífero do Urucúia, por onde brotam as límpidas águas das nascentes dos riachos, que se unem formando os ribeirões e os rios: Preto, da Onça, dos Buritis, entre muitos outros, para formarem ao final o Carinhanha.
Estamos descendo uma estrada esburacada com destino ao Rio Preto. Esta é a parte boa da estrada. A L-200, do José Fernando, com o jogo de pneus novos, passava pelos grandes areões e buracos do caminho, com a maior tranqüilidade, ele estava machão. Com a S-10 fiquei um pouco apreensivo, contudo, ela surpreendeu-me, comportando-se muito bem em todas as situações.
Os pontilhados no mapa do GPS são os pontos por onde passamos com as conduções, eles estão arquivados no computador e esta trilha pode ser reproduzida quando necessário. Iremos colocá-las também na internet disponibilizando-as a outros aventureiros.
Trajeto 1 = Rio Carinhanha, divisa Baía.
Trajeto 2 = Rio Preto, acampamento de jagunços.
Atravessando a ponte de madeira do Rio Preto. Ela tremeu toda ao atravessarmos. Logo depois da ponte em um grande sombreado de grandes árvores, paramos onde deveria ser o acampamento dos jagunços.
Conta o SR. Zé Bandeira que: Há muitos anos encontraram uma panela, grande, de barro, enterradas nas cercanias desse acampamento. Foi uma exacerbação indescritível. Acreditavam que seria o tesouro de Antônio Dó. Todos já estavam brigando pela partilha da fortuna. Pegaram as ferramentas e cavucaram com cuidado. A panela estava pesada, muita animação. Quando abriram, surpresa! Toda traia de cozinha, enferrujada, lá estava, esperando, os arqueólogos da ganância.
Com raiva, jogaram tudo no Rio Preto e foram embora tristes.
A história vazou. Depois de um tempo, apareceram na cidade uns verdadeiros estudiosos da capital. Interessaram-se pela panela e apetrechos, para um museu e estudos. Ofereceram bom dinheiro. Voltaram ao rio. Nunca mais se achou nada.
Aí estamos no Rio Preto, que recebe em sua margem esquerda o Riacho Santa Rita. Suas águas são absolutamente limpas. Vimos grandes piaparas nadando lentamente rio acima. Segundo o guia destas águas os jagunços faziam tudo: bebiam, cozinhavam, banhavam e mais importante também, pescavam, pois, os peixes eram muito abundantes.
Conta a história que os índios Caiapós que moravam na região eram exímios caçadores de peixes com arco e flecha.
Queriam nadar, mas a água estava muito fria e ninguém se aventurou.
Ao sairmos do Rio Preto, tivemos o prazer de vermos duas araras, comento os suculentos cocos do buriti. Estavam bastante longe por isso a filmagem está precária.
Já eram 15:00, resolvemos irmos visitar uma comunidade típica da região: Comunidade Rio dos Bois I e II, hoje mudou o nome de: Para a Terra I e II.
Saída do Parque! Zelão com sua possante L-200 vem rasgando os areões.
Na curva, sobre um monte de refugo de sementes de braquearia a L-200, deu o “show”, somente vendo o filme pode-se constatar a perícia do motorista. Sob uma nuvem de poeira e sementes, nos despedimos do Parque.
Infelizmente o tempo para nossa visitação ao Parque foi muito curto. Tudo é muito grande e distante. Levamos até óleo diesel, para conhecer melhor a área. Mas, conversando com o guia, soubemos que havia lugares mais accessíveis e importantes para serem conhecidos: Comunidade do Rio dos Bois, Vão dos Buracos, Buraquinhos e Serra das Araras.
Os traçados na tela do GPS são os trajetos (tracks) que percorremos na região. Aí estão todas nossas viagens, pelas trilhas da região. Somente não está aparecendo o trajeto do Rio Preto, pois a palavra: GRANDE SERTÃO VEREDAS, do GPS, está sobre o trajeto do Rio Preto.
Pelo traçado pode-se verificar que a comunidade no Rio dos Bois, ficava bem distante de onde estávamos, andamos mais de 100km para chegarmos ao destino, isto é, do Rio Preto&Santa Rita até a Comunidade I e Comunidade II (Hoje Para Terra I e II) no Rio dos Bois.
É como já havia mencionado é uma região onde antes plantavam soja e milho, hoje cultivam em larga escala o capim baquearia para colheita da semente. Usada em todo Brasil e também no exterior. Tenho um cliente que mora no México, e importa sementes desta região. Vemos dois grandes tratores 4X4, com o equipamento de colher semente.
O capim nasce exuberante nestas terras. Crescem a uma altura superior a que eu já tivesse visto. Quando amadurecem caem, forrando o chão. Estas máquinas sugam o solo, recolhem a semente, a terra solta, as sementes não fertilizadas com isto soltam um tufo de poeira, que mais parece uma chaminé de uma grande fábrica. Impressiona! E a máquina somente armazena as sementes boas, fertilizadas, que são, mas pesadas e ficam retidas, no sistema de seleção.
Este é o caminho no alto da chapada, em direção a Comunidade Rio dos Bois. O chão é de uma areia fina de pequenas partículas de sílica e feldspato sendo estas bem menores, o que dá a esta areia, com uma granulação muito menor, características peculiares. Quando as conduções passam levantam uma nuvem de poeira, que sobe como se tivessem vida própria, se agarrando no espaço. Se não estiver ventando, demora muito tempo para se dissipar.
O verde no descampado; são pequenos arbustos, que crescem, mesmo na seca, em terras onde a semente foi colhida. Este verde mostra, a resistência incrível, e a adaptação milenar, das árvores do cerrado. O cerrado foi cortado, suas terras aradas. Plantado o capim sobre suas raízes. Depois do capim colhido, abrem os espaços, os arbustos nativos heroicamente ainda têm força para brotarem. Mostram assim sua resistência e força de adaptação aos terrenos do cerrado. Será que temos o direito, de arrasar os cerrados? Exterminar com espécimes que demoraram séculos e séculos para fazerem uma adaptação, pela seleção natural? Veremos num futuro distante os efeitos de tudo isso?
Será a erosão desenfreada? Será a desertificação? Nem cerrado, nem plantação! Os rios que por aí nascem, secarão! E a humanidade? Fará guerra pelos espaços restantes, eliminando os habitantes, como está sendo feito na África Sul-Saariana!
Onde grandes savanas transformaram em deserto. Florestas em campos ralos. Populações famintas migram em busca de água e da sobrevivência?
Seguimos pela estrada, rompendo em quatro por quatro seus grandes areões. Ela continua tortuosa por entre campos e cerrados, de grandes distâncias. Longe, longe, encontra-se uma pequena casa de um morador solitário.
Passamos pelo Para Terra I, um assentamento criado pelo governo, no espírito da reforma agrária. Vimos galinhas ciscando no meio da “avenida”, o Guia ficou muito entusiasmado com esta iniciativa do governo. Diz que está dando muito certo. Um morador este ano, colheu 100 sacos de arroz. Maravilha! Realmente no meio do Sertão ver uma iniciativa desta é importante, independente das cores políticas que pintemos o quadro. A seqüência destes projetos é que não têm acontecido no Brasil! Esperamos com fé, que tudo dê certo.
Aí está o exemplo de uma solitária moradia. Um belíssimo pé de ipê enfeita o lugar, mas tudo é solidão. São imensos estes vazios. “O sertão é sozinho? ”. Não vimos ninguém nas imediações da casa. Este sertão tem momentos que sentimos um isolamento louco. Não paramos, esta imagem é da filmadora. No entorno da casinha somente o cerradão sem fim.
A areia da estrada mudou, era mais fina ainda, muito misturada com argila, um tipo diferente de silicato. Quando chove, a estrada vira um lamaçal, disse o guia. A poeira mais intensa ainda. Continuamos andando pelo campo de arbustos e árvores retorcidas. Mas, do lado direito da estrada já começava a mudar a cobertura do solo, estávamos nos aproximando da vereda do Rio dos Bois. Fiquei feliz em ver ao longe um grupo de buritis.
O cerrado se estende. É muito prazeroso viajar por essas estradinhas. O Zelão vinha testando sua L-200 levantando um tufo de poeira branca, parecia uma fumaça. Ou melhor, uma trilha de condensação de jatos a grande altitude.
Veio voando, chegou rasgando e derrapando! Estávamos na Casa de Farinha de Dona Gasparina, às margens do Rio dos Bois. Quando a condução parou tudo ficou silêncio.
A poeira envolveu a caminhonete, esperaram ela abaixar para saírem.
A terra da margem do rio, era ressequida. Uma terra argilosa de um cinza claro e estéril. Não tinha vegetação. Mas, para minha surpresa no meio do caminho, em meio à poeira, lá estava a Flor do Sertão ou Faceirinha, era como um aviso da presença de uma força maior, vencendo as adversidades. Expondo seu vaporoso e singelo espectro vermelho. Não me contive, deitei no chão e fiquei vendo e filmando a flor. A brisa suave agitava seus filamentos florais vermelhos como fogo, que até se refletia na branca areia. Indiscutivelmente uma manifestação das forças divinas, do poder da vida e de nossa etérea presença nesta Terra.
Esta primeira fotografia é a entrada da Casa de Farinha, onde uma antiga moradora se responsabiliza na fabricação de farinha-de-mandioca, isto é, toda a comunidade leva sua produção de mandioca para este lugar, e aí ela se cuida da “industrialização”.
Na segunda fotografia o buraco de onde tiraram argila para fazer tijolos, e depois construir uma casa. Aí está a prova, que toda poeira fina que vimos, em toda área, é de silicato de alumínio hidratado, os grânulos desta argila têm em média dois micrômetros de diâmetro. Quando molhado e manipulado transforma-se em uma argila plástica, ou simplesmente barro, que se usa para fabricar: tijolos, telhas e outros objetos feitos de barro.
A areia é completamente diferente da argila. Primeiro, as partículas da areia podem ser vistas a olho nu, tem o tamanho entre 2mm a 200 micrômetros e são partículas desgastadas de rochas ricas em sílica, oriundas da erosão do quartzo, em alguns tipos de área existem outros componentes: feldspato, mica, e até monazita, etc.
A argila geralmente, deposita-se em áreas de depósitos de aluvião, às margens dos rios, são partículas que sofreram séculos de processos químicos e metamórficos. Existem argilas, tão diferenciadas, que se transformam em porcelanas, e têm grande valor comercial.
A argila pode fazer ponte de hidrogênio, aderem à molécula de água. A areia não.
Perguntei por que cavaram o buraco bem no fundo da casa? Com tantas crianças? Em fim é uma cratera, qualquer um poderia cair, durante a noite, por exemplo?
Bem doutor, toda esta barranca é de argila (disse barro), com as primeiras chuvas o barro cobre novamente o buraco, e fica tudo igual, em pouco tempo poderão tirar mais barro deste lugar, beleza!
Na primeira fotografia o guia disse que esta árvore se chama “cabeça de negro”, mas pela descrição acho que seria um pé de marolo, vamos ver a opinião de um entendido depois.
Na segunda fotografia ao longe a Casa de farinha, tendo à frente um varal de roupas ao vento. Bem ao fundo do terreno, o vale, por onde corre sereno o Rio dos Bois. Por sinal um lugar maravilhoso.
Existe neste lugar uma força, um magnetismo muito forte. É o terreno de argila; é o rio manso passando no vale, como alguma coisa viva e presente; são as aves cantando; a mulher trabalhando sem parar ou dizer uma única palavra; as luzes da tarde acompanhando o sol no poente; o cheiro do fogo, o odor adocicado da farinha sendo seca; dificílimo dizer o que seria, o que sentimos neste ambiente.
Todos nós ficamos mudados, respeitosamente passamos pela casa de farinha e fomos para o rio. Os cardumes de peixes, curimbatás e lambaris, passavam como sombras, em contraste com o fundo claro da límpida água do rio.
Ali permanecemos por um tempo indefinido, até a noite ir mansamente conquistando o dia.
De recordações sobraram as fotografias.
Aí está a humilde casa de farinha de Dona Gasparina que é o orgulho de toda esta comunidade. A senhora é de cor parda, normal em toda região. Seu maior orgulho são seus dez filhos. Seus braços são fortes, sua vontade é descrita, em os Sertões por Visconde de Taunay: O sertanejo é um forte.
As crianças, filhos de D. Gasparina, pegam um velho ônibus da prefeitura e vão à escola, recebem a bolsa família, dez crianças, renda que é importantíssimo para a família.
Na segunda fotografia, este pneu faz o papel de motor. A raspa de mandioca é feita neste “motor” manual que aciona um ralador. Precisa muita força e determinação para girar esta inventiva engenharia do passado, ainda presente, na comunidade do Rio dos Bois.
A chapa aquecida pelo fogo seca a farinha. O mexer ininterrupto é que faz a qualidade da farinha, mais torrada ou menos. O sabor, perguntei? Depende da própria mandioca, de como é ralada, prensada e seca.
O fogo aquecendo a chapa, a uma temperatura certa, nem mais nem menos, é uma arte, para a qualidade de uma boa farinha de mandioca. Parece-me que o cheiro da madeira do cerrado passa um pouco para a farinha, o que lhe confere um aroma especial.
Na primeira fotografia, estou frente à prensa, primitiva, que espreme a raspa da mandioca, para retirar a água, que por sinal é tóxica. Como ponto fixo da alavanca da prensa eles utilizaram um tronco de árvore. O sertanejo tem que ser inventivo. Na segunda foto, contemplamos o rio, águas absolutamente limpas, onde cardumes de lambaris e alguns cardumes de curimbatás sobem lentamente o rio, comento o lodo do fundo, frutas e o zooplanctom.
Esta visão do Rio dos Bois é um quadro de beleza indescritível, pela sonoridade das águas descendo e acariciando barrancos milenares. Cores da tarde, caleidoscópio de matizes, visões de aquarelas, sonhos e busca de espera e tranquilidade. Os sonhos terminaram e tivemos que partir.
O marido de D. Gasparina se chama senhor Leão. Na estrada o encontramos, com um aspecto de quem trabalhou arduamente durante todo o dia em sua roça. É indescritível a determinação destas pessoas. Na desolação do lugar. As grandes distâncias, mas o maior problema é a falta de estradas. Somente passa com facilidade veículos 4X4, ou em animais de montaria ou tração. Assim imagino, morar nestes lugares requer um aprendizado de tempos idos, de respeito ao ambiente, e de um profundo equilíbrio físico e emocional. No calor, que é uma constante, o trabalho deve ser árduo e de resultados incertos. Algumas vaquinhas, um pequeno roçado e a casa de farinha. Mas o que eles têm mesmo é um orgulho incrível de sua existência.
Como serena descem as águas dos rios pelo sertão, serenos também seus moradores esperam o amanhã, o dia certo, a hora exata, para realizar as coisas: A lua certa (minguante) para cortar uma árvore, fazer um rancho, o dia certo para colherem o bom pequi, o bom buriti é aquele que caiu sozinho, esperar ele cair e pegar. A folha madura para colher e cobrir a casa.
Trabalho, muito trabalho, é a constante de suas vidas. Eu tinha uma idéia errada do sertanejo, o achava indolente. Quanto errado eu estava! Eles são lutadores, a agressividade do meio ambiente os torna uns “fortes”, ou vencem, ou vencem, não há outra opção para sua existência.
Rio dos Bois, quantas histórias contadas de suas veredas. Muitas marchas em suas margens, desde o tempo dos bandeirantes em busca de ouro, até os jagunços em busca de saques. Tudo passou, mas o rio até hoje resiste, lança suas águas mansas no Rio Pardo no cânion dos Buracos.
Na última fotografia estamos partindo. Comemos a quente farinha retirada da chapa, uma delícia, o sabor e o odor da lenha queimada do sertão.
Deixamos um tipo de vida diferente para trás, mas não a temos no esquecimento e sim como um exemplo de vida, de luta e determinação.
Saímos da casa de farinha e chegamos ao assentamento, Para Terra II; casas isoladas, muitas areias em tarde maravilhosa. Olhando estas paisagens sentimos o nosso Brasil penetrando pela pele. São lugares escondidos, apartados do mundo, onde a noite se ilumina com a lua e estrelas. Para o povo esquecer e ser esquecido.
Segundo um morador do lugar, houve um tempo em que o mundo era maior e sobreviver pressupunha varar longas distâncias. ”. Nós íamos para Januária vender toicinho, arroz, farinha. Levava 14 dias em carro de boi”. Continua: “ Tudo era produzido no chão da vereda”.
A noite chegou suavemente. Nesta comunidade tudo é com calma. Observamos os pássaros procurando pousos. Bandos de papagaios, araras e tuins, passavam ruidosos, cortando o azul imaculado do céu. Instintivamente lembrei-me de uma passagem do livro, Grande Sertão Veredas: “Bandos de araras voavam enfileirados pareciam panos esfiapados nos lombos dos ventos quentes”.
Este é o bar do assentamento. Esta Pampa chegou rasgando areões. Importante é a segunda fotografia, um velho ônibus chega, à noitinha, e pega todas as crianças assim como as professoras. As criançadas ele distribui pelos assentamentos. As professoras, que são três, as levam para a cidade. Maravilha, é a esperança do futuro!
Nota: As pessoas que estão no boteco, sentados na mesa de sinuca, são nossos companheiros tomando Skol.
Segundo dia de aventura.
Saindo para os passeios. Estamos todos felizes, e preparados.
Neste dia aproveitamos muito bem o tempo. O primeiro lugar que visitamos foi o Vão dos Buracos. Chegamos até a casa do Senhor Zé Bandeira, uma pessoa muito importante na região. Depois fomos para a Vila Serra das Araras e finalmente para o Vão ou Cânion dos Buraquinhos.
Este é um momento importante! Abastecendo as conduções.
SAÍDA PARA VIAGEM, SEGUNDO DIA.
Estamos no final da avenida principal da cidade, praticamente é a estrada. A placa, da saída, agradece a estada do viajante em Chapada Gaúcha de um lado, do outro indica que é saída para: Serra das Araras, São Francisco e Januária.
Não dá para saber, se a estrada é continuação da avenida, ou a avenida é uma modificação da estrada, onde nasceu a cidade, há poucas décadas passadas.
Saímos por esta estrada com destino inicialmente para ao Vão dos Buracos, andamos 20km nesta pista, depois mais 30km em trilhas até a casa do Sr. Zé Bandeira.
Esta é a fiel imagem do Chapadão. A semente de capim foi colhida, restou o chão coberto de palha. Estivéssemos em qualquer país desenvolvido, ou China e Índia, esta palha seria transformada em feno. Tentaram fazer feno na região, devido ao custo, não compensou! Imaginem só, tocaram fogo! Queimaram uma preciosa matéria orgânica, seria como queimar o bagaço da cana, que produz energia elétrica, tornando as destilarias, auto-suficientes em energia. Esse feno poderia ter um fim nobre. Não! É o lucro fácil, imediato. Tocam fogo.
Agravando, o fogo acaba se alastrando pelas veredas e cerrados, polui a atmosfera, é o CO2, e o aquecimento global. Quem se importa?
Na fotografia pode-se ver uma linha verde no horizonte, são árvores, justamente onde inicia o Vão dos Buracos. Para onde estamos indo.
Estas árvores do serrado estão aí, ainda, pois, os tratores têm medo de despencarem pelas ribanceiras dos vãos, se não houvesse este limite natural, estas vegetações já teriam sido dizimadas pelas esteiras do abre terras.
Trilhas íngremes, os buracos e erosões, recobertos por palmos de fina poeira. O passar é espremido entre barrancos. Reduzida em 4X4, garantem a segurança. Panorama grandioso, o cânion se limita nas ravinas do “Roi Rampas”, o céu de um azul límpido, é apenas cortado por aves de rapina em busca de alimentos, que dão lentas e intermináveis voltas nas correntes de ar ascendentes, que sobem dos paredões escarpados aquecidos pelo sol, das dez horas da manhã. Brigas de ventos, geram rodamoinhos, que elevam a poeira ao espaço.
Continuamos descendo para dentro do cânion. O desnível da chapada para o rio foi de 300m. Para um 4X4 é pouco, mas para um cavalo ou um carro-de-boi é muita coisa. Gastavam mais de horas para subirem estas trilhas, tem razão, Guimarães Rosa, é um “Roi Rampas” mesmo.
Gostaria de ser um pintor, para retratar com fidelidade esta região, transmitir a uma tela a essência destes lugares, seus caminhos, sua vegetação e suas águas, ladeadas de buritis. Um escritor, para transmitir as nossas emoções em percorrer essas trilhas, conhecer as pessoas e descrever com propriedade o ambiente. Como não sou nada disto, tenho que recomendar a leitura de Guimarães Rosa, Grande Sertão : Veredas.
Descendo mais pelas trilhas, bem à frente, entramos em um cerrado, tão fechado que a trilha era um túnel, de sombras e escuridão. Logo à frente vi dois bois, que subiam puxando um modesto carro-de-boi. Parei! O carreiro, esperto não teve dúvida, tocou o carro no meio do cerradão. A fotografia está péssima, foi tirado do filme da câmara. Mas, pode-se ver, que o carro-de-boi, estava carregado, ou melhor carregando, apenas alguns paus de lenha. Cumprimentei o carreiro com deferência, pois há décadas que não vejo uma junta de boi puxando um carro. A cena ficou marcada em minha mente, como mais um acontecimento de volta ao distante passado de minha infância. Oh! Sertão, recordações prazerosas de um passado de homens de respeito.
Neste momento lembrei de um trecho de Guimarães Rosa: “Mas, por entre árvores, se podia ver um carro-de-boi parado, os bois que mastigavam com escassa baba, indicando vinda de grandes distâncias”.
Chegamos ao fundo do Cânion, antes do rio principal, Rio Pardo, passamos por vários riachos, sendo o principal deles o Rio Das 3 Passagens, onde estamos.
Aí esta uma das três passagens do rio. Zelão atravessa o rio intrépido com sua possante L-200. Podemos ver os buritis demarcando a Vereda do Vão dos Buracos. O azul anil do céu nos dava uma visão quase irreal da paisagem. Tínhamos vontade de sentarmos, e deixar o tempo passar manso, como as águas do riacho. Parar e limpar a mente, como limpas eram as águas que banhavam a praia a nossa frente. Mas tínhamos objetivo, destino, às vezes isto atrapalha muito nosso sonho.
Aí estamos, no Vão dos Buracos, no Córrego das Três Passagens, um afluente do Rio Pardo. Na realidade o rio corre por uma linda vereda, ladeada por íngremes escarpas.
As famílias dos sertanejos moram ao longo do curso do Rio. A descrição de um lugar como este, nos faz retroceder no tempo, cem ou cento e cinqüenta anos atrás. O mesmo modo de vida, uma felicidade nata pelo simples motivo de sobreviver às adversidades.
Para nos todos foi uma grande lição de vida, conhecer as pessoas deste lugar. Saímos reconfortados de suas humildes casas, levando na mente o que se pode fazer do pouco, e nos sentirmos muito, muito felizes, do muito que Deus nos deu.
Vendo estas pedras arredondadas do fundo do rio novamente recordo-me de Guimarães Rosa: Até as pedras do fundo, uma dá na outra, vão-se arredondando lisas, sem pressa para um longo tempo na eterna erosão dos tempos.
Zelão veio rasgando com sua L-200, “pé largo” , quando viu o rio se entusiasmou e…
pisou fundo, na segunda reduzida, um espetáculo bonito de se ver…
saiu garboso do outro lado. Mas, não estava contente. Sentiu que o fundo do rio era areia e quis fazer novamente a travessia…
aí deu o show, a caminhonete sumiu na nuvem d`água que se formou, foi bonito de ver.
No caminho ao longo do cânion fomos passando pelas casas típicas dos moradores do vale. Nesta casa, do senhor Nicolau, serve almoço, se for avisado, pelo rádio de FM de Chapada Gaúcha. O guia não pode dar o aviso pois a rádio está temporariamente fora do ar, tem uma válvula queimada. Paramos um pouco e depois seguimos nosso caminho, para o Sr. Zé Bandeira.
Depois de 20km de trilhas, de relativa dificuldade, encontramos o lendário senhor Zé Bandeira, morador de grandes distâncias. Homem que é uma história viva destes esquecidos sertões e veredas. Nós o encontramos debaixo de um grande pé de jatobá, carregado de frutas. Do jatobá eles extraem a polpa para fazer farinha e a semente tem grande valor para fazer artesanato.
Sua postura na fotografia em nosso primeiro encontro, mostra o orgulho de um sertanejo octogenário com o machado nas costas. O olhar, inquirindo, quem veio? Porque vieram? O que queriam? Quando viu o guia se desarmou em hospitalidades.
Ao longe se vê o contraforte de pequenos morros, das ravinas abruptas do Vão dos Buracos.
Seu Zé Bandeira, tem 80 anos, mas estava a uns 2km de casa, com um machado na mão, pois ia cortar um pau para fazer um portãozinho. Sua recepção foi calorosa, foi conosco para sua casa e ia mandar preparar o almoço para nós.
Este é o majestoso pé de jatobá, carregado de frutas. Em suas sombras paramos, para ouvir o melancólico e harmonioso canto do sabiá laranjeira, estava em sua copa, mas não conseguimos vê-lo. Ao lado da segunda foto começa a trilha que leva à casa do Senhor Zé Bandeira.
Caminhando a passos largos para a casa do Sr. Zé Bandeira, a esposa com ar de hospitalidade me aguarda. Momento de encontro com a essência do sertão.
Esta é a famosa casa do senhor Zé Bandeira. Ele nasceu neste lugar a oitenta anos, e esta é sua dedicada esposa: lépida, animada e hospitaleira. Ela teve mais de 10 filhos.
Que hoje estão espalhados pelo sertão e cidades, Chapada Gaúcha e Arinos.
Já estava pronta para matar um frango e fazer um almoço, eu delicadamente declinei, mas aceitamos uns bolinhos fritos típicos da região e café, estavam ótimos. Comemos à vontade.
Em cada casa de moradores que passávamos, pedíamos ao guia que deixasse discretamente uma cesta básica, para auxiliar! No fim o guia pediu uma para ele também. Ficou feliz em ganhar!
Existem coisas básicas que faltam no sertão!
Este é o fundo da casa do senhor Zé Bandeira, grande contador de histórias. Aparece a sua filha mais nova.
Por fé ao santíssimo, ele fez um cruzeiro de madeira (uma cruz), bem grande, e subiu no alto da montanha, que fica frente a sua casa, e a enterrou lá no cume. Foi muito sacrifício, mas seu lugar tornou-se um ponto de meditação e a montanha “criou vida”.
Mas, ele estava muito triste com um conhecido seu, que é evangélico, e ao ver a cruz no alto da montanha, disse:
- Isso é bobagem, Zé Bandeira, se eu fosse você subiria lá novamente e jogava morro a baixo esta cruz!
Isso ofendeu demais o seu Zé. Ele perguntou-me numerosas vezes:
- O senhor, doutor, que é letrado, o que acha disso?
- Bem, respondi. Nada é mais importante que sua fé seu Zé Bandeira, seu esforço em colocar esta cruz naquele alto de morro. Para mim o senhor em nome de Cristo, tomou posse daquele cume da montanha. Para mim essa sua atitude foi muito importante. Enquanto eu viver não vou me esquecer de “sua” montanha, de sua casa abençoada e de sua fé. O importante, senhor Zé, não é o que os outros pensam mas, o que o senhor sente.
Parece-me que ele se acalmou e quis ver na filmadora a imagem de sua cruz que ia para o “exterior”.
José Fernando e Marcelo, com o casal Zé Bandeira, em frente à casa. No “quintal” da casa, passa o ainda jovem Rio Pardo, ele acabara de nascer nas vertentes do Vão dos Buracos, não mais do que 20km a montante de onde estamos. Ele também é fruto de dezenas de “sangradouros” do Aqüífero Urucúia.
Aí estão todos os companheiros às margens do alto Rio Pardo, junto ao Sr. Zé Bandeira. Ficamos maravilhados com o cenário. Não dá ser visto na fotografia, mas no alto da montanha está o cruzeiro do senhor Zé Bandeira.
A água do rio é muita limpa. Observando bem, os grãos de areia do fundo, e alguns pedregulhos maiores, notamos que tudo vai lentamente descendo, corrente a baixo. Uns rolando sobre os outros, polindo, arredondando. Os maiores ficam menores ainda, e a cada tempo mais redondos e polidos, alguns são puro quartzo, parecem até diamantes. Formam ondulações nos leitos, traçam desenhos nas curvas, depositam nos barrancos nas cheias, em fim, contam de forma incontestável sua história e sua origem a séculos e séculos passados.
O rio serpenteando pelos vazios dos grandes espaços criou o grande cânion. Erodindo suas encostas, esculpiu suas vertentes. Depositando seus detritos formaram as veredas, levando as sementes as enfeitaram com os buritis.
Estamos debaixo de uma mangueira ouvindo as histórias de Sr. Zé Bandeira. Contou bastantes casos das maldades do jagunço Antônio Dó. De uma capanga de couro que ele usava, cheia de mandingas que o protegia dos tiros, somente morreu quando foi tomar banho e estava sem a bolsa de couro. Não o mataram com tiro, mas, com uma mão de pilão esmagaram a cabeça dele. Antônio Dó teve 19 filhos com várias mulheres.
Depois de muitas histórias, que nos fizeram voltar no tempo: “Zé Bebelo o chefe dos jagunços, busca o malvado Antônio Dó. Cruzaram essas veredas esparramando chumbo para todos os lados”. O senhor Zé Bandeira se entusiasma, em suas narrativas. São casos contados que passam de pai para filhos.
No livro de Grande sertão : Veredas, Zé Berbelo, é descrito como um homem que se preocupou em saber, estudou, era preparado. Pessoalmente uma bela figura, queria ser político para combater os jagunços. No final vira um jagunço também. O impressionante é: Estas personalidades não existiram, saíram da mente de um grande escritor. Tornaram-se tão vivos no imaginário popular, que os associando a outras pessoas que realmente existiram, contam as histórias como verdadeiras.
Ver senhor Zé Bandeira descrever as travessias de Zé Bebelo, por este cânion, pela Serra das Araras, a ouvir os fatos ocorridos é assistir histórias. Imagine, o irmão do pai dele se encontrou com o bando, em um ato heróico, tirou a garrucha da guaiaca para se defender. Mas, eram mais de 50 jagunços, ele parou, estático. Os jagunços não o mataram, pois o julgaram muito valente, mas o obrigou dar os dois tiros da garrucha, calibre 28, bem perto do ouvido. Isto o deixou surdo por muito tempo.
Assistindo, senhor Zé Bandeira, contar com uma riqueza de detalhes tão impressionante este fato e outros, tem-se certeza que os fatos aconteceram mesmo.
É o velho dito: Não creio em bruxarias mas, que elas existem; existem mesmo!
Aí, neste instante, como uma sombra silenciosa, aparece a dona da casa, com dois pratos de quentes biscoitos e uma garrafa térmica de café. Quebram-se os liames do passado. O perfume dos petiscos e do café, nos trás de volta ao presente, que também é passado e sentimos um impulso irresistível de nos harmonizarmos com o ambiente. Solidarizarmos com aquela frágil mulher na aparência, mas no íntimo uma fortaleza, de amor, solidariedade e hospitalidade.
Onde, onde poderíamos encontrar um ambiente assim? Pensando em tudo isso e vendo esta e outras fotografias, imagino os idos tempos, das longas conversas à sombra de um pé de jatobá, sem buzinas, sem celulares, sem televisões, sem tempo passando, mas deixando o tempo passar. Ouvindo o doce canto do sabiá, as maritacas em algazarras nos buritis, araras Canindé cruzando o azul do espaço, é a paz, são momentos inesquecíveis de nossa atribulada vida.
Devido às boas conversas fomos esvaziando rapidamente as vasilhas de biscoitos. Todo mundo ficou muito contente pela ambiente e a hospitalidade. Acima de tudo, nos emocionamos muito. Hoje sinto uma vontade grande de voltarmos lá, deixar o tempo passar, perpetuando o mais simples de nossos sentimentos: a paz, a simplicidade e o carinho de um encontro.
Todos se confraternizam. Os biscoitos, quentinhos e cheirando bom, vão chegando. Ninguém se faz de rogado e os pratos se esvaziam. Seu Zé Bandeira continua tecendo um cordão de fibra de buriti e contando casos do Antônio Dó e seus jagunços.
E como dizia o finado tio Ranulpho: “ Barriga cheia pé na Areia”.
Nos despedimos respeitosamente da família de senhor Zé Bandeira e fomos para a Vila Serra das Araras.
PÉ NA ESTRADA:
Subindo as rampas dos Vão dos Buracos. É 4X4 e reduzida. O guia nos disse que um dia foi com turistas em uma perua Fiat, tiveram que voltar empurrando.
Poeira Vermelha do Sertão. Quando se tentava chegar perto do companheiro da frente, tínhamos que parar pois não se via nada. Ficava-se perdido no meio de um pó fino, que penetrava por todos os poros. Esta poeira é o atestado do Complexo do Urucúia.
Estamos na estrada que sai de Chapada Gaúcha e vai para Vila Serra das Araras, depois desta cidadezinha, tem uma encruzilhada. A esquerda, ela segue em direção ao nordeste para Januária, e a direita para sudeste para a cidade de São Francisco.
Nesta fotografia, ao longe estamos vendo a Serra Mariana onde nasce o Rio Catarina que passa pela Vila Serra das Araras.
Neste ponto o guia nos leu um trecho do livro Grande Sertão : Veredas, e pela descrição do autor, nestas serras passaram os Jagunços de Medeiro Vaz, passando pelas Serra das Araras, chegaram onde hoje é a cidade de Chapada Gaúcha, desceram o “Roi Rampas”, passaram pelos morros dos Três Irmãos. Guimarães Rosa descreve esta área como o Liso do Sussuarão, que iria até o Rio Carinhanha. Verdadeiro deserto onde a canícula fustigava os animais, a sede os cansaços de todos impediram de atingirem o Carinhanha e chegar à Baía, para dar combate ao jagunço Ricardão.
Aí estão o guia e o Fábio. O guia está lendo o trecho de Grande Sertão Veredas, sobre o que eu escrevi da Serra das Araras, lutas e travessias. Atrás está a estrada de terra que nos levará a Vila das Araras. Neste alto do chapadão, 880m, tivemos uma visão ampla de toda a região a Este de Chapada Gaúcha. São campos e cerrados a perder de vista. Fiquei imaginando, montado em uma mula, marchadora, qual seria a sensação de cruzar esses estirões enormes, os animais resfolegantes subindo rampas, e ao final, o vazio das distâncias se confunde com o distante horizonte.
Que benção deveria ser chegar a uma vereda, apear, tirar o arreio, beber água, fazendo uma folha de imbaúba de copo, lavar o rosto, ouvindo o som onomatopaico das animálias sugando água em grande quantidade, pois a sede era muito antiga e bastante viajada.
Por vezes acendiam um foguinho, para esquentar água e fazer um café, a ser bebido com pó e tudo, e também para umedecer a farofa de carne seca da matula.
Depois os homens deviam procurar uma sombra fugindo do calor do meio dia. Os animais, se chafurdavam na água, pastavam o verde capim das margens, para recompor as energias e enfrentarem mais à tarde novos estirões, até a próxima vereda.
Assim, as veredas, as aguadas, sempre foram os balizamentos dos tropeiros, jagunços ou viajantes.
A Serra Mariana vista com a teleobjetiva da filmadora. Na realidade, essas escarpas não são serras, na verdadeira acepção da palavra. São paredões abruptos (Igual a Serra do Mar, em São Paulo) que descem escarpados para o vale dos rios, (no caso de São Paulo para o Mar). A Serra Mariana, é nascente e delimita o Rio Catarina, que 40 km a jusante passa na Vila das Araras, depois deságua no Rio Pardo, que vem da grande vereda dos Buraquinhos (Zé Bandeira).
Os companheiros chegaram, pois vinham quilômetros atrás devido à poeira. O guia continua lendo bastante compenetrado. Deste lugar descortina-se uma área muito grande de toda a região. O guia nos conta muitas coisas sobre a história e os folclores da região.
Creio que se não fosse Guimarães Rosa, e seus épicos e memoráveis escritos, toda essa história do passado dos sertões dos Gerais estariam no esquecimento.
Pinha de Guará: este arbusto, dá uma pequena pinha, que segundo o guia, é comida do lobo guará, daí o nome da planta.
Estamos no alto do chapadão, são os Gerais de Minas. Longas estradas de terra, recobertas por grossa camada de poeira, que se levantam no espaço. Os buracos da estrada se nivelam na poeira, e às vezes nos surpreendem com fortes baques. Quando se cruza com um grande caminhão, por exemplo, não se enxerga nada para frente durante um bom tempo, aí vem o medo de um louco nos abalroar por trás, por estarmos quase parando na pista. É um risco! Mas com cautela, logo nos acostumamos a essas intercorrências nas viagens por estes lugares.
Esta vista da margem da estrada, era muito comum nas rodovias oficiais do Estado de São Paulo, 50 a 60 anos passados. Um governador, mandou que se plantasse erva-cidreira nestas margens, para evitar a erosão e também dar um balizamento para os veículos à noite. Com isso, o chá de erva-cidreira, durante muito tempo, foi chamado de chá-de-estrada.
Não se esquecer que esta fotografia, de qualidade ruim, foi tirada com teleobjetiva da filmadora. As distâncias que aí mostram são imensas. À direita, o retão da estrada oficial, cheia de costelas e buracos, mas bastante convidativa para os passeios de Chapada Gaúcha para Vila das Araras e outras cidades. Importante nesta imagem são os morros chamados de: Morro dos Dois Irmãos (citado por Guimarães Rosa, como um referencial para as travessias dos bandos de jagunços na região).
Vila da Serra das Araras: É lugar remoto que em 300 anos nunca deixou de ser. Único ajuntamento de casas entre Chapada Gaúcha e São Francisco, pouco recebe visita. A não ser quando tem festa. Na festa de Santo Antônio em junho, a cidade enche de povo de todos os lados, romeiros e mascates. No resto do ano, o casario de barro adormece sob a sombra do chapadão que lhe dá o nome. O lixo da cidade é recolhido ainda por dois carros de bois duas vezes por semana.
Avenida da Entrada na Vila da Serra das Araras. Qual a sensação ao entrarmos em uma vila como esta? Difícil de descrever. As pessoas nos olham como se não nos enxergassem. Nós vemos, mas, não enxergamos a essência do lugar onde estamos entrando. As ruas poucas, empoeiradas e solitárias, apenas um carro passando. Imaginando as distâncias, e a solidão desta vila, começamos a entender o verdadeiro significado que os antigos davam para a palavra: SERTÃO.
Segundo o Dicionário Aurélio: Região agreste, distante das povoações ou das terras cultivadas. Zona pouco povoada do interior do Brasil, em especial do interior semi-árido da parte norte-ocidental, onde a criação de gado prevalece sobre a agricultura, e onde perduram tradições e costumes antigos.
Nesta fotografia, a L-200, na praça principal, ao lado da igreja Santo Antônio, junto com os companheiros à sobra de uma frondosa mangueira. Os moradores do lugar estavam também desfrutando da sombra.
Eu parei com o Andersom à frente da pensão onde fomos encomendar o almoço. A dona da pensão não estava, tinha ido ao sítio buscar, ovos, frangos e verduras, somente voltaria à tarde. Tinha duas mocinhas, depois do guia insistir resolveram fazer o almoço para nós. Mandaram que voltássemos depois de uma hora.
Sorte! Conseguimos confirmar o almoço na pensão (restaurante tia Elza).
Chamei de pensão? Não! É um bar e restaurante Tia Elza. Muito humilde, nos servimos no fogão à linha, mas a comida saborosa e bem feita. Não me lembro o que comemos, mas sei que comemos bem, e todos ficamos satisfeitos. O chão da cozinha era de terra batida, havia galinhas andando pelo ambiente, bicando os graus que caiam, e faziam seu ruído característico de satisfação.
Não vou esquecer-me da cena. O fogão, as galinhas andando pelo chão, o crepitar da madeira em chamas e a alegria que reinava em todo ambiente.
Depois do almoço fomos deitar no gramado debaixo da sombra da grande mangueira, na praça, frente ao restaurante, onde demos uma boa cochilada.
Achei estranho. As casas na praça da Igreja, e mesmo nas ruas, são todas grudadas umas nas outras. Com tanto espaço! O guia nos disse que as casas no sertão são juntinhas, como pode ser visto na fotografia, para defesa contra os jagunços e bandidos do passado. Quando eles iam chegando à cidade todos entravam em suas casas e armados com suas garruchas esperavam atrás das janelas para fazerem a defesa de seus lares, principalmente das mulheres. Os jagunços entravam rasgando e estuprando todas, de “mamando a caducando”, dizem que não importava a idade.
Rio Catarina, que nasce na Serra Mariana, passa no fim da cidade. É uma vereda maravilhosa, com praias lindas. Água potável, sol, e muita paz. O Marcelo e o Guia Anderson foram pegar frutas de buriti do na outra margem do rio. Experimentei, contudo não deu para gostar, pois o sabor é bem diferente. Quando usei a farinha do buriti na comida, gostei muito! Trouxe uns quilos para casa.
Devido à seca prolongada, o Rio Catarina estava com muito pouca água. Segundo os moradores, a cada ano que passa o volume de água do rio e seus afluentes têm diminuído muito.
Agora, não se pode dizer nada da paisagem! É uma beleza ímpar, sui generis, uma vereda espraiada, luminosa e limpa.
Caminhei um pouco observando as limpas águas do rio, incrível, mas não vi peixe, nenhum lambarizinho se quer!
Estou na Vereda do Rio Catarina, que fica a menos de um quilômetro do centro da Praça de Vila das Araras. Este rio nasce na Serra Mariana, e deságua no Rio Pardo, como já mencionei afluente do São Francisco.
Esta é a bela fotografia do cacho de buriti. E o Marcelão dorme na praia do rio após o esforço de ir buscar os frutos da famosa palmeira. Reparem como é limpa a água do Rio Catarina.
Todos nós descansamos um pouco na sombra das árvores a beira rio. Mas, somente Marcelo ferrou no sono mesmo. Eu fiquei debaixo de uma árvore de pimenta de macaco.
Descansados e satisfeitos, resolvemos partir. Deixar a Vila das Araras. Gostaríamos de ficar mais, desfrutar de toda aquela solidão e beleza. Não éramos, Guimarães Rosa, infelizmente, que teve condições e inteligência, para desfrutar e entender em profundidade o sertão, ouvir suas vozes, observar suas sombras e criar em suas personagens o verdadeiro espírito do sertanejo&jagunço.
CHEGADA NOS VÃO DOS BURAQUINHOS.
Nesta fotografia, após viajar 30 km, estamos chegando ao famoso Vão dos Buraquinhos, um lugar muito importante e maravilhoso. É um cânion do Rio Pardo. Nesta vereda moram numerosas famílias, incluindo uma comunidade de casa de farinha.
Esta é uma fotografia feita com a filmadora, não tem muitos detalhes, mas, nos dá uma idéia panorâmica do Vão dos Buraquinhos (Ver esquema do GPS na página 36). Na realidade seu cânion se estende até a Serra das Araras, tendo mais ou menos 40 km de comprimento. Segundo Sr. Zé Bandeira, os jagunços andavam por todas estas regiões, pois aí encontravam água, animais para caça e um povo indefeso que faziam tudo que eles mandavam.
Uma fotografia, também com a filmadora, do Vão dos Buraquinhos, mostrando a vereda do Rio Pardo. Os buritis restantes, mostram onde passa o rio. Depois de tantos anos de corte indiscriminado, são poucos os sobreviventes. Os ecologistas, e guardas florestais estão fazendo um grande esforço para impedir que os últimos buritis sejam cortados. Somente suas sementes poderão um dia recompor de forma efetiva a beleza desta vereda.
Uma filmagem mostrando os limites do Vão dos Buraquinhos. Toda esta visão nos dá uma idéia de profundidade da região. Parece que estamos em um pequeno avião flanando por este cânion. O vento, criando sons graves nessas encostas, os pássaros piando por todos os lados e a luz da tarde anunciando a noite distante nas alturas, mas, presente nas encostas voltadas para o nascente.
Natureza! Natureza sinto seu silêncio como um grito de alerta! Nas paredes destas vertentes você conta sua história, nos buritis ausentes você mostra sua mágoa e chora lagrimas nas erosões de suas terras que hoje correm sem destino entulhando, rios, portos e canais.
Não me alegrei muito com o que vi. Das descrições do passado, a imagem do presente é uma caricatura do foi. No passado os buritis, enfileirados, uns após outros, como balizamentos vivos de veredas exuberantes. As terras de aluvião, mostravam o verde e nutritivo capim Jaraguá, o Mimoso, onde os herbívoros se nutriam trazendo vida às veredas.
Hoje o que estamos vendo? Amostras de buritis restantes da volúpia dos homens. Barrancos erodidos entupindo rios. Nascentes desprotegidas de sua vegetação, a água que evapora, reduz o manancial, os rios vão secando, minguando. Onde se navegava, hoje se passa andando. Os barcos sumiram, os peixes se foram, até quando o homem ficará na Terra?
Deixa estas tergiversões para lá, vamos aproveitar o presente, esquecer o futuro, pois não temos poder para nada, a não ser falar.
Como terminei o parágrafo anterior, em meditação, vamos mudar! Fomos para o boteco da comunidade tomar umas cevas. Estamos em frente ao bar, está fechado pois, é muito cedo ainda. O dono do bar chegou, abriu a porta e disse: Acabou a cerveja! Só tenho guaraná e quente!
Os companheiros abaixaram a cabeça e fomos mais adiante onde estavam todos na Casa de Farinha, trabalhando.
Pelo jeito da placa comemorativa, presume-se, ela não é muito nova, mas foi uma idéia que está funcionando muito bem. O Projeto tem por objetivo, como diz a placa de: Propiciar um Desenvolvimento Sustentável do Entorno do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. O que isto significa?
Segundo o guia: As comunidades, ou melhor, todos os moradores do Parque e regiões limítrofes a ele, para sobreviverem, tinham sempre uma atitude de agressão à natureza. Como por exemplo: Caça; pesca predatória (redes, espinhéis, armadilhas); cortavam os buritis (para fazerem de tudo – Casa, currais, mangueiros, etc); punham fogo na pastaria, não respeitavam a mata ciliar. Assim para viverem iam destruindo, não mantinham o equilíbrio ecológico, que os índios da região mantiveram por séculos.
Para evitar esta depredação, foram instruídos, alfabetizados e organizados em cooperativas.
Segundo o guia as coisas estão se encaminhando, mas como sempre o governo não tem cumprido seus compromissos de maneira satisfatória. Mas, indiscutivelmente, já é um começo.
Aí está a produtividade da Casa de Farinha. São famílias numerosas, 10 filhos em média. Estão presentes todos nas atividades do dia, aprendendo, não apenas fazer a farinha, mas sim absorvendo uma filosofia de vida. São as avós, filhos e netos, participando. É muito bonito o espetáculo.
Na primeira fotografia já vemos um progresso, é um pequeno motor estacionário à gasolina que gira a moenda para ralar a mandioca. Na segunda, em um cocho de madeira, onde homem cuidadosamente enrola a farinha em um saco, para ser prensada e retirar a água da massa moída da mandioca.
Esta é a prensa primitiva, mas muito bem idealizada, espreme a “pasta” com uma força incrível expulsando praticamente quase toda a água. Na realidade consta que o que saí é uma solução tóxica. Se alguém bebê-la pode morrer intoxicado, isso é válido também para os animais.
Este é um detalhe do cocho onde a pasta está sendo prensada, e a tábua com sulcos para recolher a solução tóxica. A força aplicada deve ser muito grande, pois alem do longo braço da alavanca eles usam uma roldana grande para puxar a alavanca. Quando a força é aplicada as madeiras rangem pela pressão exercida.
Achei o olhar da menina, nos vendo, admirado. Uma expressão extraordinária, o irmão ressabiado desviando o olhar. Crianças, nosso futuro, nossa esperança! Os pais delas, quando conversamos, sobre o futuro, também se preocupam. Não somente põem os filhos no mundo, hoje eles estão apreensivos sabem dos problemas. Sinceramente acham que o atual presidente Lula, será o melhor entre outros, mas imaginam que os políticos são “ladrões”, mas não sabem de outra saída.
Nestes confins de Sertão. O que falar destes olhares. Que respostas teríamos para o futuro. “Guimarães Rosa, já conjeturava, a mais de 50 anos atrás, caminhando por estes vazios, na voz de Riobaldo: “ Será vã nossa luta. Estudar e saber das coisas para que? Se quem manda, sempre, é o mais forte. “Vou me juntar a Medeiro Vaz é melhor ser jagunço”. Os pais destas crianças têm no coração esta mesma ideia, mas os jagunços de hoje têm outros nomes, e estão bem longe destes Sertões.
Riobaldo completa, “sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! ”
Quando saímos da cidade, Chapada Gaúcha, compramos um saco de 20 pães para comermos na viagem, caso não tivéssemos alternativas. Tivemos! Assim além da cesta básica demos os pães para as crianças, foi uma festa. Fizeram uma fila e um adulto repartiu os paes na verdadeira acepção da palavra.
Marcelão olímpico quis ir nadar no Rio Pardo com o guia. Deu o espetáculo, filmado pelo Fábio. O ambiente era convidativo, se o sol não estivesse de partida, creio que também teria animado em brincar nestas praias.
Salto olímpico do Marcelão: Veio correndo deu pirueta e quase perdeu o calção. Belo espetáculo, registrado pelo Fábio, a pedido do próprio Marcelo.
Depois do susto que o Marcelão deu, tivemos que nos acalmar despedindo da região.
Rio Parto, corre limpo e manso esculpindo o Cânion dos Buraquinhos. Pode-se ver como a água é limpa, tudo é harmonioso, o rio de indescritível “personalidade”, os pássaros cantando e chamando os companheiros para o pouso. Uma suave brisa passando pelos grotões emitia um som grave, como se estivessem despedindo do dia que findava.
Neste ponto também nossa viagem estava terminando. Sinto nitidamente quando ao final de uma viagem ela termina para mim. Desliga o imaginário, os sonhos e volto a realidade. Retornam a mente os numerosos envolvimentos e compromissos. É triste! Mas, necessário, para idealizarmos um novo passeio.
O Zelão foi para Chapada Gaúcha, para as últimas cervejas das férias. Não quis ao Rio Pardo.
Quando eu comecei a subir as íngremes trilhas da saída, continuei me desligando de tudo e pensando na volta. Lembrei-me da netinha Helena e comecei me entusiasmar para o retorno.
À volta.
Eu e Fábio já estamos com a caminhonete pronta para a saída. O Zelão está saindo do estacionamento para carregar e partirmos. Devido à poeira que é incrível neste trecho de estrada sairemos um pouco antes dele.
Retão de terra, grossa camada de poeira, que tingia as árvores de vermelho, caminho de Arinos. Já havíamos percorrido 30 km de estrada, e estávamos como Riobaldo, em o Grande Sertão Veredas, vendo o lugar da saída e esperando o lugar da chegada. Pusemos as máquinas para andar. O caminho transformou-se em um túnel a ser percorrido. O GPS no “track bak” mostrava a rota, as distâncias e os tempos.
Aceleramos fundo para ver os números abaixarem…
Aí está a tela do GPS276C do momento que saí dos Vão dos Buraquinhos até em minha casa. Como andamos muito devagar nas trilhas, a velocidade média ficou muito baixa 45,8 km/h. Andamos 140 km nas trilhas, o restante 1.140 km foi a distância da volta da grande viagem ao Grande Sertão Veredas.
Nas trilhas e no trajeto de volta, somando todos os tempos de deslocamentos, gastamos 19h 58m na viagem gastamos de Chapada Gaúcha a Ribeirão Preto, 11h 45m.. Nos retões das boas estradas, chegamos a rodar, horas, a média de 130 km/h. Em Unai paramos para almoçar, depois viemos direto até em casa. A velocidade máxima que pegamos foi de 148 km/h.
No “track back”, melhor dizendo no trajeto marcado no percurso da ida, e que nos orientou com absoluta precisão nossa volta, como mostraram as figuras do GPS, nas páginas das figuras anteriores, o aparelho marcou 330 pontos.
Andamos sempre no Planalto Central Brasileiro a uma altitude de 598,4m que para o relevo do Brasil é uma altitude significativa.
Quando entrei na garagem de casa, ao desligar o motor da S-10, pensei:
– Bem minha próxima viagem será ao Pantanal onde pegarei o barco (Shekinah).
Continuar sonhando sempre, nos estimula trabalhar, viver e envelhecer com dignidade.
O GPS276C MARCA EXATAMENTE, (PM) 08:04:36; DIA 22 DE AGOSTO 2006.
Hoje, terminei a escrita desta memorável viagem.
Ribeirão Preto, 27 de setembro de 2006.
Sérgio N. M. Lima.
Fotos da novela da rede Globo que muito bem retratou o Romance de Guimarães Rosa.
Grande Sertão: Veredas.
O jagunço Riobaldo, depois Urutu-branco, quem conta a história para o compadre Quelemem, muito bem interpretado por Tony Ramos.
Diadorim, interpretada por Bruna Lombardi. É o centro também da história, pois Riobaldo é apaixonado por “ele” e pensa em se matar por estar apaixonado por um jagunço. Somente no fim da história quando Diadorim é morta é que descobrem que é uma mulher.
Bando de jagunços cruzando uma vereda depois do Rio Urucuia, em busca de Ricardão na Baía.
Estes episódios da novela foram muito felizes, e feitos baseados fielmente, tanto quanto possível no romance. Tomei gosto em conhecer a região, deste o tempo em que assisti à novela da Rede Globo. Valeu a pena!