HISTÓRIAS E AVENTURAS
O Chupa-Cabra.
Primeiro capítulo: O Chupa-cabra.
Introdução: Chupa-cabra é uma suposta criatura responsável por ataques sistemáticos a animais rurais em regiões da América, Nicarágua, Chile, México e Brasil. O nome da criatura deve-se à descoberta de várias cabras mortas em Porto Rico com marcas de dentadas no pescoço e o seu sangue drenado. Estas lendas tiveram início nos anos de 1995.
Esta imagem foi retirada do Google, de uma reportagem do Jornal A Folha de São Paulo.
Esta lenda, ou história se espalhou por todo interior da região sudeste do Brasil.
Chupa-cabra é uma suposta criatura responsável por ataques sistemáticos a animais rurais em várias regiões do sudeste brasileiro. Uma vez que não existem registros da sua real existência, o chupa-cabra é um elemento da criptozoologia.
A HISTÓRIA:
Em uma viagem, logo após as primeiras notícias, estando presente os companheiros: José Fernando, Elias, Zelão, Marcelão, Maluf, Fernando e eu, tivemos relatos deste chupa-cabra, e conversamos com pessoas que disseram ter visto este ser mítico, e atestado suas maldades.
Por este motivo resolvi escrever esta história, relacionadas com nossas aventuras, e fatos contados por pessoas idôneas.
Este é o lugar que nós estávamos, no alto do Chapadão da Babilônia, na Igrejinha, onde iniciou toda a história, que eu gostaria de relatar, os fatos foram importantes para nossas vidas, assim ter a audácia de descrevê-los, torna-se muito importante para nós. A inspiração teve início, na mais humilde igrejinha que já conheci, e em um lugar onde senti uma imensa paz em minha alma, e todas estas recordações foram brotando, naturalmente na névoa do tempo de minhas lembranças.
INTRODUÇÃO.
Eu e amigos estávamos na Serra da Canastra, era noite, o céu limpo, todo recoberto de estrelas, formava um tapete cintilante de luzes nos confins do espaço infinito. A lua opaca escondida atrás da Serra, somente, e de maneira tímida, mostrava sua tênue luz que recortava nitidamente o contorno da topografia no distante horizonte, era uma extraordinária silhueta de sombras e escuridões, nos abruptos paredões do chapadão da Babilônia.
Marcelo, Elias, Zé Fernando (Zelão) e Fernandão, juntos sentados em um tosco banco de madeira, esperávamos o tempo passar, apreciando a natureza, com seus quadros multicoloridos e dinâmicos, ouvindo seus sons, que se alteravam conforme a hora, do pôr do sol, ao anoitecer, até a noite cobrir todo o vale com seu tênue manto escuro.
Incrível, mas no profundo vale do Rio São Francisco, que se estendia a perder de vista à nossa frente, nos pareceu sim, que a bruma escura da noite, veio como alguma coisa palpável, subindo pelo vale, envolvendo o próprio fluxo do rio, sua mata galeria, as empoeirentas e tortuosas trilhas, até nos envolver também, com uma cortina de silêncio. Paramos de conversar e rir, por um momento, como se os muxoxos das duas corujas da igrejinha, nos quisesse alertar de alguma mudança, que estaria acontecendo no lugar.
O banco tosco de madeira, onde estávamos sentados ficava paralelo a parede branca, da humilde capelinha, que lá existe há décadas no alto do Chapadão da Babilônia, ela é um ponto de referência para os trilheiros da Grande Região do Entorno da Canastra.
Esta igrejinha tem muita história, devido a sua excelente situação geográfica no Complexo da Canastra. Quando se caminha nas trilhas para o Este, a direção é o vale dos Cândidos e a Serra da Sete Voltas. Para Oeste no início direção do Rio São Francisco, que depois de 180 Km, ele muda de direção segue para o Norte do Brasil. Resumindo, a Igrejinha marca o fim do grande Chapadão da Babilônia, cuja importância geográfica, é que ele divide a imensa bacia do Rio Grande X Paraná a oeste, e a bacia da integração nacional do Rio São Francisco a Este.
Pensando na importância do dia que passou. Os pensamentos começaram a brotar, ininterruptos em minha mente. Tínhamos curtido lindas trilhas, de motos e ATVs (quadriciclos), havíamos saído de São Roque de Minas, cruzado a região dita do Cemitério, pego a Trilha do Céu, que por sinal é maravilhosa. Possui íngremes subidas, muitas pedras, mas o panorama é extraordinário. A esquerda da trilha, isto é, para o lado Oeste, pode-se ver a maravilhosa represa do Peixoto, no Rio Grande. Quando se olha para a direita, isto é, a Este observa-se o famoso vale do rio Bateia, de onde segundo consta grande quantidade de ouro e diamantes foram retirados. Limitando o lado Este do rio Bateia tem a maravilhosa Serra Preta, que dá forma ao maravilhoso e o famoso Vale do Céu. Onde está a tradicional e marcante Pousada Esperança, do Eninho e Dona Gasparina, onde frequentamos por mais de 30 anos.
Vamos comentar a viagem, e trilhas que passamos, de Delfinópolis até a Igrejinha.
Em rodovia que liga a cidade à São João Batista do Glória a Delfinópolis. Depois da ponte do Rio Claro, entramos a esquerda para Cachoeira do CLARO. Depois da entrada da Cachoeira, inicia a subida da serra. Tem muitas erosões, e bolsões de profundos areões, somente veículos 4×4, motos, ATV., passam com facilidade. Em Delfinópolis, teve o início de nossa grande aventura pelas trilhas da Canastra.
Mapa do Google Earth da saída.
Este mapa do Google Earth, nos ajuda muito entender a complexa saída, para a Trilha do Céu. O pontilhado em vermelho é a trilha que fizemos.
Como dissemos depois de 9Km, tem a ponte Rio Claro, logo depois da ponte, saímos da rodovia, Br., e pegamos uma trilha a esquerda, para entramos para as cachoeiras e Pousada do Claro. Neste ponto iniciamos a subida da serra. Logo no início da subida existe a Pousada da Casa de Pedra, pode-se visitar a Cachoeira do Tombo, uma das várias existentes, nesta descida abrupta da encosta da serra.
Pode-se perceber que a subida desta encosta do chapadão precisa ser cuidadosa. O mapa mostra direitinho o lugar em que um companheiro viu uma onça parda, e nós depois apenas vimos o rastro na areia. Isso na Cidade de Pedra que faz parte de um complexo. Na parte norte da trilha, onde a fera foi vista, existe uma mata fechada, provavelmente de onde a onça saiu, para atravessar a trilha e ir para o vale ao sul, em busca de caça.
No alto da trilha, antes da chapada, tem que tomar bastante cautela porque a trilha oferece dificuldades. São curvas fechadas devido a grandes pedras expostas pela erosão. E profundos bolsões de areia formados pelo mesmo motivo.
Indiscutivelmente, esta é uma das regiões mais bonitas do Complexo da Canastra, devido suas particularidades, e a curiosa forma de seus paredões abruptos, parecendo um condomínio de casas primitivas, do período paleolítico. Daí o nome condomínio ou cidade de pedra.
Estas fotografias e outras foram tiradas pela Any, minha mulher. Quando subimos por essa trilha.
Logo depois desta curva, cruzamos com um, motoqueiro, que disse: Cuidado, pouco à frente eu vi uma onça parda muito grande cruzando a pista, em direção a furna.
Nós tocamos o quadriciclo com cuidado, uns 50 metros à frente minha mulher, muito observadora viu o rastro da onça na areia da beirada direita da estrada. Acompanhamos o rastro da fera por uns 100m, depois em um arranque, a terra estava revolta, o animal pulou para a margem esquerda da estrada e desceu pela ribanceira. Com certeza ela pulou, quando o motoqueiro apareceu na estrada e ele a viu pular, como nos havia contado.
Nós paramos e tiramos uma fotografia com um canivete suíço aberto, comparando com a pata da fera. Pelo tamanho podemos imaginar que era um animal de grande porte, e como é uma grande área o complexo das serras e vales, esta onça não deve ser única na região, estes animais são territorialistas, e andam por grandes áreas caçando.
O terreno úmido, permitiu que o rastro da onça ficasse perfeitamente marcado no chão.
Por mais que a pessoa domine suas máquinas, em lugares de trilhas, sempre tem possibilidade de um acidente se não houver cuidados, e premeditação. Este motoqueiro, passou direto e caiu na ribanceira onde vimos o rastro da onça. Incrível!
Voltamos à noite, eu minha mulher Any, para vermos se havia mais sinais da onça, mas nada, somente os sons da noite na serra. Minha aventureira mulher quis ficar uma hora em silêncio para ver se ouvia alguma coisa. A única coisa que valeu foi, termos visto um grande satélite artificial, cruzando o espaço rapidamente de oeste para leste.
Estes lugares por onde passamos muitas vezes, sempre nos traz ótimas recordações. Vamos continuar nosso trajeto para a Trilha do Céu.
Antes de prosseguirmos a viagem, gostaria de contar uma outra aventura para chegarmos a famosa trilha do Céu.
Tínhamos ido a Cachoeira do OURO, que fica apenas a 30 Km de Delfinópolis, pela estada de terra da Gurita. Na volta, por indicação pegamos um novo caminho, e ficamos perdidos.
Nunca me esquecerei desta visão da Trilha do Céu, eu minha mulher Any, havíamos cortado pela trilha do Cemitério, para chegarmos a trilha do Céu, mas a trilha estava quase intransponível, apenas o GPS, mostrava a direção da Trilha do Céu, nestas situações não temos a opção de voltarmos, não tem dúvida é ir em frente. Any, pulou do ATV, saiu a pé pela íngreme encosta, me mostrando as possibilidades de passar. Depois de mais de hora, nesta luta, chegamos nesta clareira de pedras, e vimos com a maior alegria da Trilha do Céu. Nunca esqueceremos desta aventura e este dia.
Tive que recorrer ao mapa do Google Earth para entendermos onde eu e a Any erramos, o que acarretou uma grande preocupação para nós, adoramos fazer trilhas, mas detestamos, com GPS e tudo ficarmos perdidos. Saímos de Delfinópolis e fomos para a Cachoeira do Ouro. Depois…
Esta é uma das cachoeiras do complexo do Ouro, com pode ser visto são mais de três. Esta foto foi tirada da Internet (Cachoeira do ouro, Delfinópolis)
Por sinal é um passeio que vale muito a pena de ser feito. Ficam em uma encosta de um contraforte da Serra Preta, onde o Rio Santo Antônio, desce formando três lindas cachoeiras, enfeitadas por uma maravilhosa mata galeria. Na área tem todas estruturas: restaurantes e pouso.
Nos disseram que poderíamos voltar pela Trilha do Cemitério, achamos boa ideia, somente que erramos o caminho, e tudo se transformou em uma aventura, com tensões e preocupações.
Estudando o motivo de termos ficados perdidos: Como nos perdemos, continuamos estudando sempre com muito cuidado e guiados pelo GPS, para fazermos as trilhas, dede este dia.
Quando íamos saindo da cachoeira, um morador disse, não precisa voltar lá trás, pega logo aqui a direita que é mais perto, mas, claro ele não se preocupou em dizer, que lá na frente tinha uma porteira, e teríamos que passar por ela, seguindo pela direita. Com isso passamos reto, e seguimos o trajeto amarelo no mapa, e foi um Deus nos acuda. Era uma trilha, se é que pudesse dizer assim, abandonada há décadas, os companheiros nem acreditaram, que conseguimos passar e saímos na Trilha do Céu. Concluindo: os pontos amarelos é a trilha abandonada, impraticável. Os pontos vermelhos mostram a trilha certa, para sair da Cachoeira do Ouro para Delfinópolis.
No meio da preocupação, a Any minha mulher, além de fazer a pé um pedaço no meio do pasto, ainda teve calma para tirar excelentes fotos da Serra do Cemitério.
ALEGRIA, ALEGRIA, achamos e saímos na Trilha do Céu.
Realmente como podemos ver, a trilha na Serra Preta, chamada propriamente de Trilha do Céu, pois ela percorre sempre o cume da serra. Por mais que aceleramos nossas máquinas, para ultrapassar as grandes dificuldades do trajeto, ela sempre se desponta mais longe ainda no distante horizonte. Como diz Guimarães Rosa, andar por estes sertões é caminhar por lugares nenhum.
Importante esclarecer que essas descrições da história, não são lineares na linha o tempo, esse episódio por exemplo, de ficarmos perdidos, aconteceu, anos antes da história do chupa-cabra.
Nessa fotografia aparecem os dois ATVs ou quadriciclos, que começamos a usar desde 1996, são lançamentos da Kawasaki, foram feitos experimentalmente, para dois aventureiros cruzarem o Alaska, deu certo demais. Hoje são usados no mundo todo. Na Austrália são usados pelos vaqueiros, nas praias do mundo pela polícia e salva vidas.
Importante salientar, que nestas difíceis trilhas, precisa muito treino e prática para cruzar com velocidade e segurança. Porque, são tração 4X4 integral, sempre as 4 rodas viram juntas, por isso eles não servem para asfalto, são excelentes para areia, barro ou mesmo gelo. Com prática consegue-se andar em uma
velocidade razoável, 10Km/h., em uma trilha de segunda classificação. Onde um jipe por exemplo não passaria a mais de 3km/h.
Esta imagem da chupa-cabra, descendo aos trancos e barrancos, e passando duas S-10, quase paradas. A foto mostra de forma clara, as características da trilha. É ribanceira de ambos os lados, todo cuidado é pouco. Nesta mesma trilha os ATVs passaram mais tranquilos, e ficamos esperando os companheiros.
Paramos para esperar os companheiros, não que adamos mais rápido do que eles, mas eles sempre acham um desvio mais difícil para passar. Como o Fernandão, ao lado da chupa-cabra, esperando para outro desafio.
A oeste da Trilha do Céu, podemos ver o grande vale do Rio Grande, neste ponto represado formando o reservatório da Usina Hidroelétrica de Peixoto.
A trilha do Céu estava como sempre, quilômetros regulares e as subidas, devido à erosão estavam esburacadas e cheias de pedras, era para se tomar muito cuidado. Somente o barulho, dos motores 2 tempos das Agrales (chupa-cabras), muito altos, estridentes, e mesmo irritantes, nunca passavam despercebidos em nenhum lugar. Parecia que as estridentes ondas sonoras, das Agrales (chupa-cabras), delimitam os grandes espaços, se perdendo nas furnas e refletindo nas abruptas encostas.
No topo de um morro, a uns 4km de distância a nossa frente, em uma encruzilhada onde a direita a trilha vai para a cachoeira do Facão, havia um aglomerado de Jipes, motos, caminhonetes e pessoas, paradas e vendo alguma coisa.
Apertamos a marcha institivamente pela curiosidade. Quando fomos chegando, vimos um animal morto no chão. Cheguei perto e quase não acreditei no que eu vi. Era um extraordinário tamanduá bandeira, morto, recente, pois havia muito sangue em sua frente, e os urubus e abutres ainda não estavam presentes.
Parei o ATV mais perto sem querer, por impulso. Quando cheguei no animal e levantei sua pata esquerda, vi surpreso, que o tamanduá havia tomado um tiro na paleta e depois o bárbaro ou bárbaros, haviam cortado a cabeça do animal e levado.
Fiquei surpreso, por que levar a cabeça do maravilhoso tamanduá bandeira? Tirei o capacete, e comecei a procurar a cabeça do animal no entorno do achado. Outros companheiros, ajudaram também, depois de um tempo, desistimos, ficou a grande dúvida, qual o motivo.
Aguem do grande grupo, que ali estava em altas vozes deplorava o acontecido. Mas, outra pessoa, que estava atrás de um jipe disse: Talvez isto foi à noite, e aqui tem uma porteira, na encruzilhada, ele desceu para abrir a porteira, o tamanduá assustado, correu desengonçado com é, ele pensou ser o chupa-cabra e atirou. E como prova do absurdo feito, decepou a cabeça do inofensivo tamanduá. Para todos que ali estavam, ficou uma dúvida cruel, por que fazer um ato tão bárbaro como aquele?
Todos nós fingimos não ter escutado aquela observação. Ficamos quietos. Pois é uma hipótese. Olhamos uns para os outros, mas ninguém sabia o que fazer ou falar! Eu apenas arrastei o animal para o meio do pasto ressequido e o deixei lá.
Dele somente tenho a fotografia, e a triste lembrança. Um animal sadio que é absolutamente inofensivo para todos. Faz o equilíbrio ecológico para os cupins, formigas e demais insetos.
Esta foto é do Gloogle. Mostrando o grande mamífero, tamanduá-bandeira, também chamado de papa-formigas-gigante. É um animal da classe nos xenartros, isso é que não possui dentes, como o tatu e a preguiça. É importante para a manutenção do número dos cupinzeiros de uma região.
Em quase todas as trilhas que fazemos, no Complexo da Canastra, é muito comum vermos um animal deste, ele é tranquilo, sempre sai da nossa frente com seu trote desordenado. Possui uma alteração na coluna cervical, que o diferencia de outros mamíferos. Esta anatomia na coluna, deste mamífero, permite que ele fique praticamente em pé. Como ele tem unhas grossas e compridas, nessa posição ele “abraça” seus predadores matando-os. Mesmo a onça pintada não procura essa presa como preferência em seu cardápio.
Desta característica que vem a expressão: ABRAÇO DE TAMANDUÁ. Quando alguém inimiga nos abraça, falsamente.
Este é um tamanduá mirim, na posição de defesa, pronto para seu “amigável” abraço.
Logo depois da porteira, chegando ao fim da trilha, as erosões tornaram o trajeto muito difícil. Tivemos que alterar nosso o trajeto, pegando mais à frente um desvio pela esquerda, pelo meio do pasto. Nas fotografias estou cortando um trecho por cima deste morro, pois a trilha era difícil para o ATV. Segundo meu companheiro, essa foi a desculpa, para eu subir na dourada montanha, e curtir uma paisagem do deserto do Jalapão.
As trilhas em alguns pontos são realmente difíceis, muitas vezes é preferível para o ATV ir saindo pelo meio do pasto. Do alto do morro, consegui uma passagem, meio sofrida, para sair na trilha novamente.
Esta paisagem de uma capineira dourada lembrou demais os capins do Deserto do Jalapão, a paisagem era muito semelhante, incrível e emocionante. O Jalapão como o Complexo da Canastra é uma unidade de conservação da biodiversidade brasileira. Descendo por essa dourada encosta, me emocionei muito, flutuando nas lembranças de minha imaginação. Nestas travessias, de grande beleza, nos parece que o vento passando pelas frestas do capacete, colocam em nossa mente lembranças extraordinárias de trajetos passados.
No final desta escarpa, vimos dois veados campeiros, um casal, o dimorfismo sexual pelo chifre do macho. Estavam correndo, trotando, pelo capim dourado, de uma maneira soberba, em grandes saltos quando havia obstáculos. Os acompanhamos por uns 500m, de momentos em momentos, o macho parava, e desafiadoramente nos olhava. Foi um maravilhoso encontro. Depois sumiram pelo vale entre as árvores.
Esta capelinha fica exatamente no fim da Serra Preta. Parei o ATV em uma sombra, o calor era grande, aproveitei parar o quadriciclo em uma sombra. Logo chegou o Marcelão, que precisava de uma parada. Tiramos uma foto para marcar o momento, da chegada no fim da Serra Preta.
Minha parada nesta igrejinha foi por norma que usamos nas trilhas. De tempos em tempos, dependendo da dificuldade de uma trilha, o primeiro companheiro à frente da trilha, para e espera o último trilheiro. Isso é importante, pois já houve casos em que, pensávamos que o primeiro estava à frente, e ele estava acidentado ou quebrado atrás. Isso em certas situações pode ser um risco muito grande.
Assim, aí neste ponto esperei todos passarem, e o que prosseguiu tornou-se o primeiro da trilha.
PARTINDO PARA PENSÃO DA VANDA.
Quando termina a Trilha do Céu, a nossa frente inicia o Vale da Babilônia. Passamos a porteira depois da igrejinha uns 5 km e chega-se também a um ícone da Canastra, Casa do Zezito, ele vende queijo e também garrafas pets de gasolina.
Esta fotografia foi tirada do Google Earth, por ser um lugar muito importante nas trilhas da Canastra. Ele vende garrafa pet de gasolina, que já me salvaram umas duas vezes, que aí cheguei, já na reserva e tendo ainda muitos quilômetros para andar, até Delfinópolis. Notar que a casa principal é coberta pela famosa pedra mineira, técnica usada há muitos anos atrás.
Continuando o caminho depois deste sítio, passamos a ponte do rio Quilombo. Na maioria das vezes, não usamos aponte, passamos pela água, é mais emocionante e lava toda a poeira acumulada, por essas de aventuras.
Eu havia passado com o ATV, aí os amigos de jipe que estavam atrás, fizeram brincadeiras na travessia. Na pousada à noite, um dos companheiros do 4 X 4, grande trilheiro doutor de S. José do Rio Pardo, disse ter encontrado atrás do Jeep, um peixe? Logo perguntei a ele se era pescador, como disse que não era, fiquei na dúvida, acredito que poderia ser verdade mesmo, o peixe passageiro.
O rio depois de percorrer uns 40 Km, forma a famosa Cachoeira do Quilombo, nessa foto estou atravessando o rio depois da cachoeira. A água é limpa, mas no fundo tem grandes pedras, que torna a passagem bem acidentada, uma condução baixa não passaria com facilidade. No meio do rio a correnteza carregou um pouco o ATV, mas ele flutua um pouco e os grandes pneus cuidam da tração na água, é emocionante.
Todos trilheiros adoram passar pelo rio, e alguns as vezes tem que ser tirados no guincho, todos dizem que é um aperitivo, para as trilhas à frente. Há necessidade de muito cuidado para passar por estes rios em regiões de serra, à noite. Um companheiro, durante a noite, com um Jeep novo e muito bom, foi passar neste lugar. A correnteza estava tão forte que levou a condução rio a baixo, o companheiro estava com uma moça, tiveram dificuldade de se safarem, o Jeep deu perda total. Aconteceu essa enchente repentina, pois havia caído uma tromba d`água a montante do rio, eles não perceberam nada, e os fortes faróis da condução, iludiram a visão da altura da correnteza do rio. Este fato já ocorreu em outras regiões.
Assim a noite, serra, travessia de rios, desce da condução, analisa bem, antes da travessia.
Na Pousa e Pensão da Vanda, foi onde comecei me interessar pela História do Chupa-Cabra.
Esta é uma fotografia do Google Earth para mostrar o lugar extraordinário que é a Vanda. Na imagem dá para ver que as construções da pousada respeitaram a mata galeria do rio Quilombo, o que foi muito importante, e tornou o lugar muito mais aprazível. Pode-se ver também, que saindo da pousada, existe uma íngreme, mas curta rampa, que sai em um caminho até a subida da Serra Branca.
É uma pensão e um lugar “sui generis”, onde mais de 150 motoqueiros almoçam aos domingos e feriados. Lá todos se servem à vontade, comida mineira da melhor e bebidas. Ninguém toma nota de nada e não tem garçom. Mas todos quando saem, vão na mocinha do caixa e acertam sua conta corretamente. É uma verdadeira comunidade de “off road”.
No grupo de nossos companheiros, dois estavam pilotando uma velha moto Agrale, que por ser tão mexidas e feias, nós a chamamos de chupa-cabras. Elas merecem uma pequena história: As motos Agrale eram fabricadas no Rio Grande do Sul. Em Caxias do Sul, a partir de 1985. Não sabemos o motivo, mas a fábrica da Coca-Cola, comprou mais de 1.000 destas motos, para seus funcionários, saírem fazendo os pedidos, depois ia os caminhões de entrega. No ano de 1993, se não me engano, não deu certa esta medida e a fábrica em Ribeirão Preto colocou 400 motos destas, todas muito usadas a venda, por um preço muito barato.
Então nós compramos 5 motos, levamos para o grande mecânico Mércio, que das 5 desmontadas conseguiu recuperar 3 para fazermos trilhas. Somente serviam para isso, pois não tinham documentos.
Elas ficaram tão feias que foram chamadas de: Chupa – Cabra, e o nome pegou.
Aí está a terrível Chupa-cabra. Tanto contamos das aventuras das Agrale – Chupa-cabra, que achamos pertinentes colocar uma de lembrança. Esta foto está no Google.
Algumas considerações sobre a localização da Pousada da Vanda, é em um lugar muito distante de tudo no Complexo da Canastra. Fica na encosta do Chapadão da Babilônia, para sair é preciso, atravessar o ainda riacho Quilombo, subir a encosta da Serra Branca, como veremos.
Na direção oeste da pousada, fica a Serra Preta, seguido pela Serra da Sete Voltas. E, a pensão fica no início do maravilhoso Vale da Babilônia. Que é um vale limitado a Este, pelas escarpas do Chapadão da Babilônia, e a Oeste, como dissemoa, pela Serra Preta, em cuja crista esta a Trilha do Céu.
Pelas distâncias, a maioria das motos, precisam de combustível, quando estão fazendo trilhas por aqueles rincões. Todos vão à pousada da Vanda não somente comerem, mas abastecer algumas motos também.
POUSADA E PENSÃO DA VANDA.
Estas ilustradoras fotos foram tiradas do Google (Pousada da Vanda). A primeira é a parte do restaurante da pousada. Na segunda foto, a importância, todas as comidas nas panelonas, conforme vão sendo consumidas a cozinheira repõe, com fartura. Todo mundo aglomerado, falando das trilhas, das motos e dos tombos. E, claro todos com a fome vencida e muito viajada, conforme dizem.
No meio dos grandes vales, de imensos chapadões, onde o lobo guará ainda caminha tranquilo, a seriema espalha sem medo, seus agudos gritos, o nambu chororó declina melodioso canto, encontrar um lugar deste para estar com os companheiros, em confraternizações, é um privilégio incrível. Temos que homenagear a Vanda e seus familiares, pois é um oásis de acolhimento, em meio da grandeza desta serraria.
Tínhamos que seguir nossa trilha, pois ainda estávamos na metade das dificuldades do trajeto. Vamos abastecer as máquinas, além do estômago.
Chamei o chefe senhor João, ele tinha centenas de garrafas pet cheias de gasolina para vender aos motoqueiros. O primeiro foi eu, encostei o quadriciclo e coloquei uma garrafa de gasolina. Aí gritei para os folgados Marcelão e Zelão, venham logo abastecer estas chupas-cabras, senão não dá para prosseguir!
A palavra chupa-cabra deu um choque no Sr. João. Ele pulou para trás, a garrafa da gasolina caiu no chão. Eu espantei, mas não havia entendido nada. Aguardei um pouco, aí ele se recompôs e disse.
–Moço não fale mais este nome aqui, pelo amor de Deus. Ele é um mostro, bem disse o compadre Belarmino o benzedor, é uma alma penada dos escravos que por este mundão sofreu as amarguras da dor e da fome. Por isso tem necessidade de carne e sangue. Em todos lugares dos escravos penados, ele aparece!
— Aqui onde estamos se olharmos no fundo do terreno vocês vêm a mata do rio Quilombo que tem suas águas limpas. Assim nossos chiqueiros, recebem estas águas, e o porcos e leitões são sadios, para nosso uso, aqui no restaurante.
Vou contar para vocês, e se afastou, ficando distante do ruído, buscou silêncio. Muito compenetrado, começou a contar: Uma noite, a porcada começou a fazer uma gritaria, eu acordei, no início não dei atenção pois havia comprado dois machinhos. Pensei, é briga. Mas a coisa não parou, mudou de lugar, mais forte e mais distante.
Pensei aqui comigo, isso não está certo, peguei o lampião e saí, a noite estava escura, fui andando para os chiqueiros, mas fez barulho nas tábuas altas, nos galhos, um tropel danado, parei e pus atenção. Era um bicho preto, que aumentava e diminuía de tamanho, a luz fraca do querosene, não deixava ver os detalhes, mas via a figura do bicho preto, com o leitão sem cabeça nas costas, pulando e correndo para o lado do rio. Me lembro, do barulho das folhas secas do mato, com sua corrida. Não era normal, quantas pernas teria o coisa ruim? Escutei até os galhos secos do mato quebrando, indo para o lado do rio.
Fiquei parado de medo, era o coisa ruim, mesmo, escutei dois barulhos lá no rio, como se fosse um grito, ou um chamado bem grosso. Na mesma hora lembrei do chupa-cabra, que já tinha feito maldades lá em São José do Barreiro. Entrei logo para dentro e fechei a porta.
No outro dia fui no chiqueiro, era sangue para todo lado, e a cabeça do porco estava enterrada no pau da cerca. Isso aconteceu duas vezes, o coisa ruim, veio aqui matar nossos leitões, fazem um barulho terrível, lambuza tudo de sangue, mas deixa a cabeça do porco, espetada em um pau, como sinal que é coisa do outro mundo. E durante 2 dias, nem fomos lá, de medo, mas um dos empregados da Vanda, disse que a água do rio ficou vermelha como sangue. E o benzedor veio aqui abençoar, e falou para estes dois dias não ir lá, pois o ar ruim ainda estava no ambiente. Assim fizemos, depois que benzeu, o chupa-cabra, não voltou mais.
Ficamos quietos em respeito. Mas aqui entre nós, os dois dias, deu tempo para o “chupa-cabra” sumir com os porcos, sem deixar vestígio, se estivesse alguma pista por perto. Se estivermos errados, fazendo mal juízo de alguém, sentimos muito.
Quando fui pagar a gasolina para a mocinha, pedi a ela que chamasse o Senhor João, no íntimo eu queria me desculpar, pois na hora fizemos uma postura de incrédulos, sobre o fato. E isso ofende muito toda pessoa que acredita em alguma coisa sobrenatural.
Ele chegou com olhar baixo e meio ressabiado, o jeito de quem foi chamado, mas veio a contragosto. Me adiantei para chegar perto dele, longe do tumulto do restaurante. E logo fui dizendo, olha seu João fiquei tão assustado com a história que o senhor contou, que parei pasmo, longe dos pensamentos, impressionado mesmo, o senhor não ligaria de contar os fatos novamente para nós?
Bem vocês sabem como é, as vezes vocês da cidade, não põe saber em nossas prosas.
Eu fui criado na roça também Sr. João, e dou toda razão ao senhor. Mas nós não somos assim, o senhor não liga de contar direitinho a história para mim.
Era uma terça-feira, quase não teve movimento nenhum no restaurante. Eu e a Vanda limpamos tudo, depois do jantar. Já estava escuro, eu foi prender meus três cachorros no ranchinho, pois caso contrário eles não dão sossego, latem e brigam a noite toda, pois tinha uma cadela no cio, que eu prendi lá do outro lado.
Não tinha lua, a noite estava escura, mas o céu estrelado que dava gosto, nenhuma nuvem no céu, dei uma volta nas casas e nos chiqueiros, estava tudo certo, entrei me lavei e foi dormir. Dormi logo, não sei quanto tempo, e a mulher me deu um empurrão, dizendo, não está escutando nada não, está surdo! Aí comecei por atenção era um alvoroço lá para o lado do fundo do terreiro, parecia uma sofreguidão dos porcos. Saí para fora, o tumulto era no fundo perto do rio, era escuridão.
Andei um pouco para frente, com o lampião na mão, aí incrível uma sombra de luz se moveu, eu vi com estes olhos que a terra vai comer, um monstro muito alto se movendo, com o porco nas costas. Aí foi diminuindo, e sumindo na escuridão. Não demorou quase nada, eu tornei a ver a sombra negra, se movendo depois na cava do rio. Naquela escuridão da noite, como pude ver o coisa ruim, ele é iluminado de luz preta. Companheiros, não tenho dúvida, não vou falar o nome porque não presta, mas é mesmo o coisa ruim.
Perfeito Sr. João, sua história nos convenceu, o senhor e Vanda não mereciam isto. Saímos cabisbaixos em silêncio. Seu linguajar e a postura eram de profundo respeito, pois na escuridão da noite o que os olhos veem e a mente desenha, tem que ser respeitado. Temos certeza, pelos seus hiatos em sua narrativa que, ele não havia contado tudo que sentia ou imaginava ter visto do caso. Quando durante a emotiva descrição, suas mãos desenhavam no ar as figuras que havia visto, sua sinceridade de um homem honesto, as modificaram para nos contar. Contudo seu suor gotejando na testa, suas tremulas mãos, sempre anteriormente seguras, nos diziam muito, muito mesmo o que ia em seu espírito temente ao sombrio e desconhecido.
Tenho quase certeza que apenas o famoso benzedor Belarmino, teria tido oportunidade de ouvir o verdadeiro relado dos acontecidos, naquela noite de sombras e assombrações.
Ligamos nossas máquinas, e partimos os companheiros queriam falar alguma coisa com a Vanda, eu fui contra, pois estas crenças, lobisomem, mula-sem-cabeça, chupa-cabras, entre tantos outros, deste menino eu ouço falar nas regiões rurais. Isso tudo antes da energia elétrica, do telefone e dos rádios, eram fatos inquestionáveis.
SAINDO DA VANDA.
Saindo da Vanda, precisávamos estar preparados, a trilha é feia, a famosa subida da Serra Branca, esta íngreme subida, a trilha sai do Vale da Babilônia e sobe uma encosta, para o Chapadão, que significa subir uns 400m de altura, no espaço de 700m de rampa, ao final da rampa a altitude é de 1.880m.
Esta imagem do Google Earth, nos mostra perfeitamente a famosa subida da Serra Branca, suas curvas, suas grotas e imaginamos os perigos. Esta subida é lendária na região, em uma ocasião, ela teve uma pequena melhora, pois o famoso Rally dos Sertões passou por ela.
Esta é uma área de microclima, segundo os entendidos. Devido as condições físicas desta pequena região formam-se macro – cristais, que passam refletir a cor branca. Essa mutação que ocorre em pequenas áreas ainda não existe uma explicação convincente. Mas ainda estou intrigado, por que fica o pó branco desta maneira!
Estas fotografias, foram tiradas por mim. Pelas sombras verticais das nuvens cúmulos de bom tempo, o horário não poderia ser mais que 14:00h. Estas imagens estão no Google. Estão no meu site: viagensdrsergiolima br.com..
A primeira fotografia é do irmão Geraldo, famoso Gege, o primeiro trilheiro da Canastra. A segunda sou eu subindo a serra com o ATV. O quadriciclo, em 1996, foi o primeiro que os moradores do Complexo da Canastra viram, pelo barulho eles achavam que corria muito, eu de medo, usava todo equipamento de proteção: Conclusão, recebi a alcunha de: ET DE VARGINHA.
Eu sempre gostei muito desta fotografia, talvez pela vista extraordinária, ou pelo fato de ter conseguido chegar ao topo do Chapadão da Babilônia, desligado o motor, e o silêncio quebrado pelo estridente ronco das chupa-cabras, gritando alto pelo grande esforço, de subir tão íngreme e erodida rampa. Mas logo chegaram, realizados e felizes.
No alto da subida o GPS mostrou que estamos a 1880m de altitude. É uma rampa muito íngreme cheia de pedras, e obstáculos. Precisa ser vencida com muita perícia, pois se de um lado é um barranco do outro um abismo. Já houveram muitos acidentes nesta subida, e os moradores da região preferem dar a volta pela estrada dos Canteiros, do que subirem a Serra Branca.
Para subir a Serra Branca, com segurança é necessário veículo com tração 4×4 e na reduzida. Para subir com o ATV, precisa ter um pouco de prática com a condução também.
Eu e Elias, estávamos de ATV. O céu absolutamente de brigadeiro, como falamos em aviação, ou seja, de um azul celeste e uma visibilidade incrível, atestando sua pureza. Apenas bem distante da trilha, ouvíamos o ronco das máquinas dos companheiros que haviam passado. Ao lado do quadriciclo, está uma heroica Agrale, chupa-cabra.
Uns 20 Km depois da Serra Branca, chega-se a esta importante encruzilhada. A direita vai para São José do Barreiro, descendo a Serra do Rolador, a esquerda vai para o Vale dos Cândidos, Igrejinha, Casca D`Danta e também sai em São José do Barreiro. Lógico que nosso objetivo era irmos para Igrejinha, no momento.
Como lembrança do passado, ir pela direita para o Rolador era uma verdadeira aventura, a trilha era péssima, e a serra do Rolador que é a descida a Este do Chapadão da B a b i l o n i a , a Oeste passamos pela Serra Branca. Ambas com as dificuldades conhecidas, mas o rolador era largado na época. Em uma tempestade, há anos atrás, descemos por lá, a trilha se transformou em um rio caudaloso. E caiu tanta água no chapadão, que ao longo da descida, nas abruptas encostas, múltiplas cachoeiras jorrando água, parecia uma imensa catarata que nos lembrava as extintas Cataratas de 7 Quedas do Rio Paraná. (http://viagensdrsergiolima.com.br/grandes-lagos/).
Pegamos a esquerda, pois pretendíamos ir para a Igrejinha. O caminho neste trecho, tem dois lugares de dificuldades.
Nesta descida, uma rampa traiçoeira encontrei os jipes lutando com as erosões, passei pela direita e segui, mas rápido um pouco, lógico as motos sumiram na dianteira.
Até chegarmos à igrejinha teríamos uns 20 km de trilhas, alguns trechos passamos com facilidade outros com mais cuidados, pois a trilha era acidentada mesmo. Havia grandes dificuldades a serem passadas.
Esta é uma imagem do Google Earth, muito esclarecedora, onde fica a Igrejinha, na realidade, é a Capela de São Sebastião. Fica praticamente em um prolongamento do chapadão, se fosse no mar seria um istmo, como tantos que existem. Algumas considerações, a capela está na mesma altura do chapadão. A leste, existe um profundo vale, que fica na encosta do chapadão, como se fosse um profundo corte nas entranhas da serra. A oeste, inicia o Vale dos Cândidos. Ao Norte, está a Serra da Canastra, com a cachoeira Casca D`Anta e o vale do Rio São Francisco.
Este é o profundo vale a leste da Igrejinha – No fundo do vale uma fazenda onde tira-se leite.
Na solidão do entardecer, entre tantos lugares que andamos, não saia da minha mente a ida ao Vale dos Cândidos que eu havia feito há anos atrás, mas sem chegar até o fim. Resolvi então ir até lá para completar a visita, pois campeava em meu sentimento, há muito tempo, esta grande vontade de voltar naquele esquecido vale. Não era longe, e a trilha saia atrás da Igrejinha, e em curvas fechadas descia se contorcendo pelas escarpas à baixo, rumo ao noroeste da serra. Descendo em curvas pela vale, não imaginaria que nada poderia haver no fundo daquela solidão! Grande surpresa, e imensas emoções.
Após uma curva a esquerda, ladeada por três grandes e velhos eucaliptos, lá estava uma antiga casinha, de tijolos batidos, escorados pelos mais legítimos caibros de aroeira, que lhe serviam de estrutura. Os tijolos estavam desgastados pelo tempo, mas o madeirame perfeito, todos pilares verticais com os encaixes das travessas horizontais, sem nenhuma alteração, tudo íntegro. O tempo não passa para um palanque de aroeira. Somente o fogo, perverso, pode destruir uma madeira desta magnífica árvore de nossos serrados.
A surpresa não parou por aí, a pequena janela à frente da casa, foi preenchida por uma figura marcante, que com sua modesta postura, me chamou a atenção, de maneira inexplicável, talvez pelo olhar distante, como se nada estivesse vendo. Ou o que estava observando não fosse nenhuma surpresa. Surpreso fiquei na confiança demonstrada em sua postura, havia com certeza muita fé em seu coração, de quem morando há décadas, em um ermo daqueles, seja quem estivesse chegando, seria de paz e harmonia.
Acredito seriamente, o que todo ser humano busca, é sentir esta sensação. Ao fazermos uma casa de campo, um rancho, um sítio, o que buscamos é isso, ficar em paz realmente, e se alguém chegar termos a convicção que vem em paz! Não existe cerca elétrica, câmara ou portarias, que nos dê esta tranquilidade, ela teria que estar em um lugar, seguro, onde nosso coração sentisse isso. Hoje é muito difícil mesmo, dada as circunstâncias que vivemos.
Desci do quadriciclo, pedi licença para me aproximar. Senti a segunda emoção:
–Um sorriso sincero, se abriu no rosto já marcado pelo tempo, o gesto altivo com as duas mãos, que levantaram harmonicamente, me convidando amistosamente para entrar. Este gesto fez meu caminhar ser espontâneo para perto da casinha.
–Vamos entrar moço, tomar um café e pão de queijo. Sua fala era segura, sobre o convite que ela estava fazendo. Talvez, parecia que já me conhecia, ou me confundia com alguém. Realmente era a demonstração da bondade de um coração experiente, já vivido e moldado no lugar de sua longa existência.
No momento não sabia o que fazer, na porta havia um homem magro que me olhava de lado, com um ar ressabiado, fiquei parado por um momento. Ele saiu na porta, era uma figura singular, alto, barba rala por fazer, a maioria dos incisivos ausentes, desfigurando o sorriso. Desceu um degrau e me perguntou:
–O senhor está andando pelo vale, não tem medo do chupa-cabra? Instintivamente mostrou a matinha para o lado da casa onde havia também uns chiqueiros.
Me fiz de ignorante, e perguntei?
— O chupa-cabra, já apareceu aqui também?
Sua postura, cresceu no degrau da humilde casa. Seus músculos da face se contraíram. Seu olhar ficou penetrante em minha pessoa, como se meu aparecimento ali fosse uma coisa muito singular e realmente era mesmo. Seu olhar me acompanhou, em meu lento caminhar. Respondeu:
— Duas vezes seu moço, eu vi o vulto lá atrás das bananeiras, com estes olhos que a terra irá comer. Os porcos gritavam muito alto. Ele é meio alto, tinha um brilho nos olhos, virou num golpe e pulou a cerca, e depois o córrego quase voando, e com o porco nas costas. Fez muito barulho pelo mato, como roçando as folhas, depois, lá na frente, acho que voou, pois, o silêncio encobriu a rampa. Entrei para dentro, e quase arranquei a porta do fundo. Senti uma força que nunca tive, e trombei com a velha mesa da cozinha, que ficou sem duas pernas. Fui para o quarto da mãe, ela estava com os olhos arregalados e sem fala. É a coisa ruim seu moço!
— Como assim? O que o chupa-cabra estava aprontando, e roubando seus porcos?
— A primeira vez, essa vez que contei, levou uma porquinha já no ponto, e matou e descarnou a uma porca de cria. Foi uma gritaria terrível, seu doutor. A segunda vez levou um porco, e matou desfigurando meu cachorro. Era sangue para todo lado.
Seu relado foi conciso, e sua expressão segura não deixava nenhuma dúvida, quanto a veracidade dos fatos, retidos em sua mente. Realmente parecia apavorado com que tinha visto.
Fiquei pasmo e estático. Parado, lembrei das histórias. As imagens do passado distante, de minha velha cidade e roça, afloraram como sobras muito vívidas em minha mente. Já havia ouvido aquele relado dramático, e aquelas descrições abstratas de uma pessoa muito assustada. Isso há décadas passadas. As pessoas que sentem que viram um ente sobrenatural, no seu consciente tem certeza que viram mesmo. As sombras se tornam fatos concretos, e a imaginação as pintam com as vívidas cores da mente.
Minha alma se abriu, nestas lembranças, a alegria tomou conta de meu coração, pois ali era o lugar das lendas obscuras das almas isoladas, dentro da escuridão da mente, de uma grande solidão. Segundo a senhora há 20 dias que ninguém aparecia por lá. Eu seria então o viajante, com roupas estranhas e montado numa condução nunca vista. Uma névoa de dúvidas nos envolveu momentaneamente.
Somente dissipou quando firmei o pé no degrau de tábua ele rangeu. Tudo clareou em minha mente, e fui caminhando para dentro da casa, o ambiente me pareceu tão familiar, me senti feliz, até hoje não sei explicar aquela sensação. Seria das colônias da fazenda, de minha infância, há 60 anos passados? Onde um menino alegre, confiante, entrava em todas casas da colônia, e sentia confiante, como se estivesse em sua própria casa?
As imagens da casinha diziam tudo. Em cada tijolo amassado com ásperas mãos, devia encerrar uma história de muito trabalho, recheado de esperança. Os grandes, seriam mãos maiores, calejadas já pelo enxadão que cortou e manipulou o barro? Os menores seriam das mulheres, após bater a roupa na tábua já desgastada pelo uso? Os tijolos pequenos, sem forma definida, meio arredondados, uma clássica tentativo infantil de ajudar os pais?
Certamente naquelas vetustas construções, havia muito, muito mesmo, histórias a serem contadas, de séculos passados. No tempo das tropas, com mulas cheias de bruacas, que por lá passavam, fazendo o escambo. Pepitas de ouro, ou pedras diamantíferas por: querosene, sal, ferramentas e vestimentas.
Entrei. No interior da casa sem rodeio, já nos sentíamos conhecidos. A hospitalidade fluía pelas rugas da face amiga, moldada pelo sorriso espontâneo. Ela disse, com toda naturalidade, se quer café, tem que moer o pó. Isso era comigo mesmo, tinha treino de 40 anos passados, mas essas habilidades nunca se esquecem.
Em um canto de tijolo batido, lá estava o moinho de minha mocidade, parecia lá estar também minha saudosa avó Rita de Lima Marques, pedindo para eu moer o pó. Nem consegui guardar o nome da velha senhora, ela me deu uma cuia de café torrado, para eu moer.
Quando comecei a moer, o perfume do café inundou o ambiente, aguçou minhas lembranças de uma grande casa feliz, moldada no respeito. Saudade. Foi um momento etéreo, indescritível. Pois recordei perfeitamente do aroma da cozinha da fazenda, os sons, o criptar do fogão a lenha, o borbulhar da água na chaleira, e a vós de minha avó perguntando se eu havia terminado de moer. Foi incrível.
Quando cheguei à beira do velho fogão a lenha, meu coração pulsou mais forte, o cheiro das cinzas, da fumaça, e o gosto do café, foi demais, os óculos escuros esconderam minha emoção, naquele momento. Dezenas de imagens retornaram a minha mente: minha mãe, minha avó, o fogão a lenha. Deus, as cinzas do fogão, elevaram as poeiras da mente, descortinando recordações profundas, de um passado muito distante e feliz.
A doce senhora não aceitou nenhuma uma retribuição. Perguntei com delicadeza: A senhora não poderia falar alguma coisa da senhora. Não sei o seu nome, gostaria de guardar essa lembrança.
Eu já estava em pé no umbral da porta. Ela deu um passo para trás, passando a mão pela face em um gesto em câmara lenta, como estivesse abrindo uma cortina do tempo em sua memória.
—Eu me chamo Conceição, tenho 80 anos. Já vivi tempos bons de fartura aqui. Meu finado marido era muito trabalhador, este nosso pedaço de chão, dava muito arroz e milho. O pai dele era garimpeiro. Nós possuíamos mais de 20 vacas e um boi. No tempo certo, depois da queimada do alto da serra e as chuvas, meu Francisco, levava o gado solteiro e a bezerrada, para engorda, no pasto comum, era capim novo. A engorda era certa.
Antes da seca, sempre tinha uns 12 animais no ponto para a venda. Naquele tempo, o caminho era pela Serra da Canastra, na subida da Garagem de Pedra, tempo bom. Depois sozinha, com este filho, tudo foi ficando abandonado do jeito que o senhor está vendo. Tenho uma filha que está bem, mora em São Roque, ele que me manda as coisas pelo leiteiro ou o queijeiro, Deus que a abençoe.
Ela contou esta breve história, sem nenhuma emoção, como se estive cansada de recordar destes fatos.
Eu me despedi, com um forte e fraterno aperto de mão. Quando desci os degraus da saída, a senhora disse de forma autoritária:
–Tonho, vem despedir do doutor.
Ele saiu atrás da casa e veio, cabisbaixo e meditativo, olhou bem sério para mim e disse: Muito cuidado moço, a coisa está solta por esta serra toda. Vai com Deus.
Agradeci sinceramente por toda hospitalidade, mas antes de sair pedi ao Tonho, se ele poderia mostrar o lugar de onde ele viu a coisa ruim. Ele não hesitou, e disse vamos lá.
Contornamos a casa, o quintal era muito em declive por uns 20 metros, depois uma baixada que ia até o córrego que passava no fundo do terreno. Nesta parte plana, é onde existiam dois chiqueiros, com meia dúzia de porcos. Tudo muito abandonado, o mato, guanxuma, braquiária, para todo lado. Quase não se podia ver o leito do riozinho que por lá passava. Dois grandes pés de mangueira espadas lá existentes, faziam sombra em todo o terreno. Havia um bando de canarinhos da terra, amarelinhos saltitantes e cantando por todos os lados. Creio que era fase de acasalamento. Fui caminhando encantado, pela grande quantidade de aves lá existentes, eram coleirinhas comendo a semente dos capins. Rolinhas e fogo-apagou, saracura três potes, entre outras espécies. Incrível, como um lugar ermo abandoado até certo ponto, faz com que a natureza se recomponha.
O Tonho se postou na porta da cozinha e me chamou. Esticou o braço em direção ao chiqueiro, que ficava entre os galhos da mangueira e disse, foi deste lugar, que durante a noite vi o chupa- cabra, por duas vezes, levando o porco.
E ponto final, não fez mais nenhum comentário, deu o assunto por encerrado.
Eu também, nada comentei, agradeci a ambos a acolhida, a atenção e o café. Quanto a emoção que senti, não haveria palavras para o agradecimento.
Me despedi, peguei o quadriciclo e parti. Quando dei por mim, já estava sentado na Igrejinha conversando com os amigos. É a primeira vez que relato estes fatos, pois acredito que nem todos os entenderiam.
O tempo foi passando, e pudemos ver um esplendoroso pôr do sol. Ao longe, o Rio São Francisco, caia do alto da Serra da Canastra, despejando de forma magnífica e dinâmica suas límpidas águas, formando a famosa Cachoeira da Casca D`Anta.
É a maior queda de água de todo rio São Francisco. Ele nasce no alto da Serra da Canastra, a 9Km de São Roque de Minas, corre 33 Km pelo alto da serra, depois precipita para o vale, nesta maravilhosa cascata de 186m de altura, sendo a mais bonita atração de todo o Complexo da Canastra.
Cada cachoeira tem um significado especial e diferente para mim. Por exemplo, esta. A erosão que ela realizou na rocha antes de precipitar suas limpas águas para o vale, criando aquela grande fenda, quando séculos se passaram? E a cachoeira do Avanhandava, cavando nas rochas magmáticas, seus grandes três saltos, como pode o homem afoga-los em uma represa. Creio que em um futuro distante, essas respostas serão dadas.
Ali sentados, trocávamos lembranças de muitas trilhas e viagens feitas. Perguntei aos companheiros, o que seria fazer trilhas? Depois de muitos palpites, chegamos à conclusão que: Fazer trilhas é conhecer lugares, é abrir espaços em nossa mente, é estudar paisagens de forma dinâmica, se emocionar com o simples, e estar em lugar nenhum. As trilhas não têm início e não têm fim. Não nos importa o começo, não nos preocupa o fim, o que importa, é analisar e guardar o trajeto. O GPS trouxe para todos nós um auxílio inimaginável para todas as atividades.
Quando eu fiz o curso para piloto, a navegação era na bússola, nos preocupando com a declinação magnética, e suas alterações. Com os acidentes geográficos, com os ventos, e outras intercorrências. Trinta a quarenta por cento do curso era sobre navegação. Hoje qualquer pessoa navega tranquilo de carro, barco, avião ou mesmo a pé. Assim hoje fazer trilha, tornou-se uma atividade, muito segura se ativermos nos dados fornecidos pelo GPS, e o conhecimento preciso em sabermos usá-lo.
Os antigos habitantes do Brasil antes de seu descobrimento, os índios, tinham numerosas trilhas importantes: os Tupinambás, Tamoios, Guaranis, Xavantes, Guaicurus, entre outros, possuíam trilhas de caça, as famosas Trilhas do Peabiru, http://viagensdrsergiolima.com.br/peabiru- caminhos/. Mas sabiam, pelas histórias contadas, sobre uma trilha imensa e infinda e extraordinária, que os levariam para oeste, para o interior do país a fora, até os Andes, onde existiria uma montanha imensa de puro ouro. http://viagensdrsergiolima.
Estas trilhas, usadas pelos índios em toda a América, a mais de 5 milénios, foram os caminhos percorridos pelos exploradores, após as descobertas do continente. Elas no Brasil representavam trilhas para o desconhecido, eram os sonhos de aventuras, para encontrar tesouros e riquezas inimagináveis, que motivaram as explorações feitas pelos Bandeirantes e Bandeiras, que penetrando em longas e penosas incursões pelas trilhas indígenas e pelos rios, conquistando o Sertão.
Os brasileiros, exploradores romperam o Tratado das Tordesilhas, em busca do El Dourado e da Lagoa Verde repleta de Esmeraldas. Criando o Brasil que temos hoje.
Nesta foto eu e meu irmão Geraldo, estamos na frente da Igrejinha e de costas para o Norte, que é o Vale do Rio São Francisco, o rio da Integração Nacional. Neste vale estão as cidades: São José do Barreiro, onde estamos instalados, na Recanto da Canastra, do Sr. Soares. Vargem Bonita e São Roque de Minas. Aparece também, na foto, um trecho da sinuosa descida da igrejinha para o vale, um desnível de mais de 700m. É uma descida muito íngreme e sinuosa. Seria nosso caminho à noite.
No dia anterior, fomos rever a região de São José do Barreiro e Vargem Bonita. Nos contaram que o rio estava com muita pouca água, muito seco mesmo, que dava para cruzá-lo a vau. Sentimos necessidade de conferir este fato. E lá fomos atravessá-lo também. Incrível! Os quadriciclos, nos lugares mais fundos, são levados pela correnteza, temos que acelerar muito, para as 4 grandes rodas impulsionarem o ATV.
Realmente isso foi possível, o rio São Francisco, é um rio muito importante, hoje mais ainda, além de ser de Integração Nacional, está levando água para o carente nordeste. Tem importantes usinas hidroelétricas, gerando muita energia, as principais: Três Marias, Sobradinho, complexo de Paulo Afonso.
A irrigação, é um fator importantíssimo em grandes áreas nos estados de Minas, Bahia e Nordeste. Tonando estas regiões até grandes produtoras e exportadoras de vinhos, uvas finas e flores e cereais.
Este paredão abrupto marca o limite sul da Serra da Canastra. Ele fica na direção do primeiro município que o rio São Francisco passa, São José do Barreiro. É um ponto de referência marcante para todos que gostam e frequentam a maravilhosa região. De manhã quando o sol nasce, sua luz ilumina as escarpas e a pastaria tornando tudo dourado, criando um quadro de rara beleza.
Todos nós voltamos das trilhas, e sentamos ao lado de Igrejinha, as conversas iniciaram, com recordações das aventuras, dificuldades e conquistas. Os mais heróicos, eram os companheiros com as motos chupa-cabras, que marcavam seus feitos por terem as motos mais precárias: Pouco breque, as vezes quando molhados nada, pouca arrancada e muito barulho. Tinham que ter muita habilidade para usá-las. Motivo de superação.
Estas conversas se prolongaram. A lua iniciou seu caminhar pelo espaço, ofuscando o brilho da Via Láctea cujas estrelas e galáxias estavam esplendorosas, em nossa fértil imaginação. Um silêncio sombrio e meditativo nos envolveu, como se uma falha do espaço tempo estivesse ali presente em nossos corações moldando nossas almas. Faltava alguma coisa, o que seria? Ouvíamos os ruídos da noite, uma coruja cantava sua melodia triste e aterradora, os estridentes sonares dos morcegos, o cricri-cricri dos milhares de grilos pelas encostas gramadas, e, ao longe o som de águas caindo da grande cachoeira do Rio São Francisco, a Casca D`Anta.
O que nos faltava no momento, não sei como, nem porque, um grande sonho para uma aventura. A adrenalina, e as emoções do dia, como que solicitasse em nossa biologicamente mente audaz, um novo projeto, de uma nova e significativa viagem.
Deste silêncio brotou-me uma ideia. Perguntei aos companheiros se conheciam o Pantanal de Mato Grosso. Tirando o colega Zelão, ninguém conhecia. Eu resolvi convidar meus companheiros para vivermos uma aventura no Pantanal de Mato Grosso, subir o Rio Paraguai em meu barco o Shekinah e passar pela transpantaneira.
Quiseram saber um pouco do Pantanal.
Bem companheiros o Pantanal é uma região imensa, e tem este nome, pois no período das chuvas, ele é recoberto pelas águas dos rios que formam a grande bacia do Rio Paraguai. Na realidade não é um pântano, o nome é impróprio, mas pegou, o Pantanal é uma imensa região, que apenas no período da cheia existem muitas áreas que são recobertas por água.
O complexo do Pantanal abrange os países, Brasil, Bolívia e Paraguai, é conhecido simplesmente como Pantanal por nós e Charco pelos paraguaios.
É uma região formada por vários conjuntos de ecossistemas, que possuem certo grau de identidade, que é típica, formando comunidades biológicas, de fauna e flora, que se interagem buscando sempre um equilíbrio, em seu complexo ecossistema.
O Pantanal é um exemplo clássico de ecologia, isto é, um equilíbrio harmônico entre os seres vivos e o meio ambiente. Criando um bioma, especial em toda a região.
Com sua voz grossa e alta, Fernandão disse:
Companheiros não estão precisando de aula, agora não. Vamos logo, combinarmos as viagens e agendaremos, quero muito conhecer esse famoso Pantanal.
Desculpe, me empolguei. Mas é importante, vocês saberem que o Pantanal tem 250 mil quilômetros quadrados, e para conhecê-lo, precisamos de um bom planejamento e pelo menos dois meses de viagem, não propriamente contínua, podem ser realizadas por etapas.
Estamos todos nós aposentados, família criada, creio que isto será possível, vamos estudar bem essas aventuras pantaneiras.
O orvalho da noite caia despercebido, molhando o banco de nossas conduções. Uma brisa fria descia pelas encostas do chapadão, como um fluído denso, invadindo espaços. Fomos levantando sonhando com viagens e recolocando nossas vestimentas de trilhas.
Havia em todos nós um sentimento inexplicável, se partíssemos seria o fim de uma trilha, de uma profícua viagem.
Neste momento, uma branca nuvem, alto estrato, cobriu a lua, a sua sombra veio subindo pelo vale do Rio São Francisco. Paramos pensativos ao lado das conduções, em cada cabeça um plano. Neste momento passava pelo vale a sombra projetada da nuvem, estrato cúmulos, que escondia o luar. Passava silenciosamente cobrindo a mata. Com a serenidade que veio, completou sua passagem e sumiu no horizonte da Canastra a fora. Nós nos recompomos, e apenas arranjamos equipamentos, em silêncio, e nos preparamos para partir.
Estávamos a 12 km de Vargem Bonita, e da Pousada Boqueirão, do Senhor Soares, onde estávamos hospedados.
Vamos fazer rastros neste poeirão incrível, pois já estamos com fome. As motos por serem mais rápidas saíram na frente, Marcelão para aquecer, saiu empinando a moto e rasgando o gramado. Levantou tanta poeira que tivemos que esperar um pouco para sairmos também. As densas poeiras levantadas pelas motos, impedia a visão das pronunciadas curvas das íngremes rampas.
Nós com os quadriciclos (ATV), paramos no topo da íngreme descida, e ficamos olhando o espetáculo. A abrupta descida do grande Chapadão da Babilônia, logo que passava a Igrejinha, despencava montanha a baixo, em sinuosas curvas, com profundas erosões e pedras para todo o lado, e mais, havia uma camada de mais de palmo de poeira recobrindo o trajeto.
As altas poeiras claras levantadas pelas motos, eram iluminadas pela luz da lua, marcando no escuro vale, as sinuosas curvas no espaço. Depois a suave brisa, que subia o vale, as misturavam, formando um tapete homogêneo sobre a mata, que ora eram iluminados pelos brancos 4 faróis das motos, e ora eram riscados pelos brilhantes e vermelho dos freios, das velozes máquinas, que avançavam pelas rampas.
Terminada a descida, começa a íngreme subida do outro lado do vale. O espetáculo mudou, inverteu, as luzes brancas iluminavam as claras poeiras do chão se contorcendo nas curvas, as luzes vermelhas apenas apareciam nas retas existentes, a densa poeira lentamente deslocava para o fundo do vale. Logo os companheiros sumiram na crista da serra.
Chegou nossa hora, vamos, meio pareados quando possível, para um não ir comendo a poeira um do outro.
Havia curvas fechadas que os ATVs faziam derrapando, na poeira, nas quatro rodas, aí tínhamos que acelerar fundo, para a tração da frente manter a trajetória da estrada sinuosa. Era pura emoção.
Tínhamos que manter uma boa distância entre as conduções, mas nem sempre era o caso, caso contrário não se enxergava nada. Não dava para trilhar cego, por aquele sinuoso, irregular, íngreme desfiladeiro a baixo.
A emocionante descida ia até as margens do Rio São Francisco. Deste ponto para frente a estradinha melhorava um pouco. Pois passávamos a entrada para a Cachoeira da Casca d`Anta.
Curvas atrás de curvas, buracos que às vezes o quadriciclo voava sobre eles, a adrenalina corria no sangue vigorosamente, e a atenção tinha que ser máxima, caso contrário, desceríamos ribanceira a baixo, e mergulharíamos no Rio São Francisco.
Depois da descida do Chapadão, a estrada ficava irregular, com subidas e descidas, das dobras geológicas do corte final do Chapadão da Babilônia. Em uma longa subida no meio da mata, vi as luzes, clareando as árvores galeria, do outro lado do vale. Parecia algo muito diferente, e complexo, pois estávamos correndo e as luzes paradas. Desta maneira a visão era como se as árvores e lianas estivem correndo pela beira da estradinha. Tudo era dinâmico, menos as luzes que se mantinham estáticas. O que seria? Fomos nos aproximando com cautela.
Logo Fernandão se adiantou, com um gesto largo e teatral, ainda no meio da poeira e falou:
Olha pessoal, o chupa-cabra, aí em ação. Depois da curva em rampa, os faróis iluminaram os companheiros parados estáticos, as silhuetas de todos se destacam na escuridão. Descemos da condução e calmamente nos aproximamos. As fisionomias inexpressivas, nada diziam. Quando tudo clareou, ficamos estarrecidos.
Afastado um pouco da estrada, lá estava o novilho, morto, arrastado para beirada da estrada, como se alguém pretendesse escondê-lo. Mas o caminho vermelho do sangue na clara poeira, não deixava dúvidas.
Era uma cena surrealista. A luz refletia imensos e brilhantes olhos, de uma cabeça de boi, tombada na poeira da trilha, o sangue vermelho, corria pela poeira, tudo indicava que tinha sido muito recente, o sangue estava vivo, como disse o Fernandão.
Tínhamos na mente, ainda as histórias horripilantes, contadas em toda a região da existência de um Chupa-Cabras, que por lá andava matando animais, destroçando-os e chupando seu sangue.
É hilário, machões com medo. Medo? Medo sim! Temos medo do desconhecido.
Aos pares fomos caminhando com todas as luzes acesas para a cabeça do boi. Ela estava em uma curva bem fechada. Quando começamos a nos aproximar, vimos uma velha perua Belina, com os faróis acesos, uma luz bem amarelada, fraca mesmo, iluminando a carcaça do boi, com o couro dilacerado de forma incomum.
Olhamos em volta, ressabiados, com medo, mas não vimos nada. Seria o famoso “chupa cabras”, ou uma onça? Um atropelamento naquele fim de mundo, impossível! O desconhecido, o inexplicável, nos deixou perplexos e com um medo sem muito sentido.
Já estive em outras situações como esta. Em Ivinhema, MS, em uma mata, estava caçando com meu cunhado Roberto Vilela, na espera de uma paca. Era noite, e meu farolete colocado na testa, não sei por que motivo parou de acender. Aí todos barulhos, tornam-se assustadores e a insegurança leva ao medo, nesta hora lembre-me disto e me contive.
Achamos melhor aceleramos nossas máquinas, e saímos deixando a poeira cobrir aquela cena inexplicável.
Depois deste macabro encontro fomos trilhando para a pousada, loucos para trocarmos ideia com o experiente Sr. Soares.
Quando chegamos à pousada, contamos para o Sr. Soares. Ele ficou visivelmente aborrecido, e disse: Infelizmente isto é muito comum por aqui. Acredito que são dois indivíduos de uma cidade da região, não quis declinar o nome. Eles têm um açougue lá, com esta técnica, estão cada dia mais prósperos, não tinham nada agora já possuem muitos bens. São bandidos, ainda bem que vocês foram cautelosos, pois eles andam sempre armados.
Ligamos os fatos, e nos lembramos de que aquela velha Belinha, estava parada na área, do acontecido, desde o momento que passamos com destino ao Chapadão da Babilônia e Vão dos Cândidos. Com certeza, os ladrões, estavam pelo pasto, procurando e tocando o animal, para ser morto. Mas nunca pensaram que uns loucos, iriam passar por aquelas velhas estradas, naquela hora da noite!
Os ladrões devem ter estourado a lateral do boi para matá-lo.
Se tivéssemos insistidos lá na hora, procurando explicações, seria o caso de: Estarmos no lugar errado na hora errada.
Esta é a antiga fazenda onde se tirava leite e fazia também o famoso queijo da canastra, chamava-se Fazenda Boqueirão, devido sua posição no sopé da Serra da Babilônia. Hoje o proprietário Senhor Soares a transformou em uma ótima pousada, a Pousada Recanto da Canastra. Fica a poucos quilômetros de São José do Barreiro.
No primeiro dia que chegamos na Pousada, fomos dar uma volta na região de São José do Barreiro. Fomos conhecer a Pousada Limeira, muito boa também. Quando fomos sair o funcionário muito solícito, disse:
–Por que vocês não saem pelo fundo da pousada e passam pelo Rio São Francisco?
Assim fizemos, como foi uma trilha maravilhosa e a travessia uma bela experiência de conhecimento mais íntimo do rio, achei oportuno apresentar o lugar, por esta fotografia. Segundo o funcionário que indicou o lugar, desta área foi tirado muitos diamantes há tempos passados. Por esse motivo toda margem do rio nesta região é entulhada de pedras arredondadas e reviradas, pelos faiscadores de diamantes.
Este foi uma colocação, inserida no contexto pela importância histórica na fase diamantífera da região. O rio a partir deste ponto, durante mais de 100 anos, tempos passados, foi revirado do município de São Roque até a cachoeira, em busca de riquesa.
Voltemos a Pousada.
Depois de um bom banho, para tirar toda a poeira, fomos jantar. Este acontecimento, no caminho os matadores e ladrões da noite, não nos tirou a fome. A comida na pousada era tipicamente mineira e estava no rabo do fogão a lenha. Uma bela salada, de coisas produzidas lá, tutu de feijão, couve refogada, pernil assado, arroz de todo tipo, quiabo, entre outras coisas. A sobremesa não faltou, um grande número de doces: Doce de leite, de frutas e queijo da canastra.
Depois deste fausto jantar fomos para a varanda, que era bem grande, e onde reunimos para contar histórias. O senhor Soares, nascido e criado a região sempre tinha, bons casos para nos contar.
História o Chapadão da Zagaia.
Tudo começou assim: Vocês sabem por que este Chapadão na prorrogação do Vale dos Cândidos e limitando com a Serra da Canastra se chama: CHAPADÃO DA ZAGAIA?
Logo pensei em uma zagaia, que era uma lança, com cabo feito de uma madeira muito resistente, que se chamava zagaia, e uma ponta bem afiada, tendo logo depois da ponta duas saliências, em ângulo reto com a lança. Era usada para matar onça.
Contam que o felino encantoado pela cachorrada, sempre acaba subindo, muito enraivecido, em uma árvore, a cachorrada latindo e acuando, vai deixando a ferra muito feroz, até ao ponto, onde o caçador chega em baixo da árvore, ao alcance da enraivecida fera, ela pulava no caçador para matá-lo.
O caçador, treinado, apoiava o cabo da lança no chão, e esperava a onça cair na ponta da lança, que enterrava profundamente em seu peito. Mas não era suficiente, para uma morte instantânea, com uma força própria destes felinos, com as patas dianteiras, tentava pegar o caçador. Aí se evidenciava a importância, das saliências laterais, suas patas ao se contraírem, pegavam nestas saliências, e com sua própria força, fazia a lança, zagaia, acabar de perfurar seu pulmão e coração, morrendo aos pés do matador.
Por este motivo, eu disse: Bem seu Soares, aí devia existir muitas onças pitadas, e também exímios zagaieiros, daí o nome de Chapadão da Zagaia.
Seu Soares deu um sorriso, maroto. Como educado mineiro, logo não foi contando o caso. Ajeitou os óculos, com calma, tirou uma pigarrinha da garganta, e disse, a história não é bem esta, vou contar para vocês.
—Como é do conhecimento de todos, o caminho dos tropeiros, e comerciantes de ouro e pedras preciosas, que vinham das ricas regiões ao norte: imenso Vale do Jequitinhonha e do rio Cipó: Povoamentos de: Diamantina, Rio do Cipó, Conceição do Mato Dentro, Serro, Santo Antônio do Itambé, São Gonçalo do Rio das Pedras, Milho Verde e Diamantina, passavam por esses caminhos.
A rota dos tropeiros e viajantes era: Serra do Salitre, Araxá, Boca do Mato, Tapira, Desemboque (que por sinal era a cidade mais importante da região, a sede do distrito, Dona Beja, amante de Dom Pedro, chegou a morar aí), depois o poso dos viajantes era na fazenda hoje chamada de fazenda da Zagaia.
Esta era a chamada Trilha do Ouro, por onde transitava toda a riqueza, vinda do norte de Minas. As caravanas, de mulas, bois e os próprios tropeiros, precisavam de bons lugares, para pousar, se alimentar e dar comida para a tropa.
Esta é uma fotografia do Google, de uma narrativa da escritora Maria Mineira, que corrobora de forma muito mais detalhada a história que o Sr. Soares contou, do nome Chapadão da Zagaia.
Com o costumeiro sorriso, senhor Soares, falou que, as histórias destas lavras, destas caravanas e tropeiros, merecem serem contadas. Foram períodos heróicos, de homens gananciosos, mas também valentes. Aqui mesmo na região, o Rio São Francisco, em São José do Barreiro, Vargem Bonita, muita riqueza de diamantes saíram, e muitos crimes também ocorreram.
A riqueza era tanta, que as caravanas dos tropeiros, vinham da província de São Paulo, cheias de utensílios e voltavam pesadas de ouro e pedras preciosas. E o caminho de todas estas tropas, com numerosos burros de carga, passavam por este Chapadão, onde existia uma grande estalagem, em uma fazenda, que recebia todas essas comitivas.
Oferecendo pouso, alimento e acomodação para os animais, já muito cansados e precisando de trato. O processo ocorria quando essas caravanas voltavam, carregadas de ouro e pedras preciosas.
Quando um viajante cheio de ouro, estava desprevenido, isso é, com pouco jagunços de proteção, ou já combinado o roubo com a tropa. Era hora da ação. Os domos da pousada, os colocavam para dormir em um grande quarto especial, contudo no foro do cômodo, havia uma carreira de pontas de zagaias, apontadas para o lugar da cama. Eram cobertas por um pano grosso, costume da época.
Tarde da noite, quando o rico viajante, estava dormindo, eles soltavam a pesada estrutura das zagaias, que matavam instantaneamente o viajante, e tudo era roubado.
Amigos é por esse motivo, que aquele Chapadão, onde ficava as estalagens ficou conhecido por Chapadão da Zagaia.
Bem no topo da Serra do Cipó, existe esta grande estátua, homenageando a figura do símbolo da região da serra. O Juquinha, se chamava José Patrício e morreu em 1983. Vivia nos grotões da serra e ficou famoso pela gentileza – trocava, por exemplo, flores que colhia pelo caminho por comida ou ajuda. Sua vida era cercada de muitas lendas.
Para outras pessoas, ele era uma pessoa envelhecida, com as mãos calejadas, pelas lidas na região. Era ele e um irmão, existem várias lendas sobre ele. Hoje é um símbolo, lá no alto da serra, dos homens que retiravam as riquezas, mas viviam mergulhados na mais humilhante pobreza.
Depois da ênfase desta narrativa, mais ainda ouvimos as profundas narrativas históricas da região, por sinal muito ricas e com finais lamentáveis. Fomos dormir com uma nova visão histórica de Minas Gerais. Essas histórias, não as tenho visto nos livros, mas contadas por velhas e lúcidas testemunhas dos tempos, onde são transmitidas entre gerações.
Os pais do Sr. Soares não têm saudade dos tempos passados, quando os diamantes ficaram raros, havia muita miséria, bebedeiras e bandidos na região.
No outro dia, uma certa nostalgia, hora de carregar as caminhonetes e partir. Demoramos bastante no café da manhã, parecia que os assuntos não terminavam, ou melhor nós não queríamos que terminassem.
3
Carregamos as motos na D-20 do Marcelão, e o ATV na Caminhonete Z-71.
Atrasamos o máximo para irmos, pois tudo estava muito bom. Somente imaginando nossa viagem para o Pantanal, nos animou partir.
No retorno de viagens, não importa onde fomos, pantanal, canastra, USA ou UE, sempre nos dá uma certa angústia a volta. É a expectativa do que vamos encontrar. Grande parte é pela angústia de termos ido, largado tudo para trás e voltarmos declinando nossa felicidade das belezas que vimos, para as pessoas que gostamos e que ficaram para trás.
Segundo capítulo: A morte do Canguçu e o chupa-cabra.
Depois que fazemos uma viagem de trilha, como descrevemos, sempre nos reunimos, para trocarmos ideias e planejamento para uma nova aventura. Nesta reunião dois assuntos vieram à tona enfaticamente: Primeiro, segundo Zé Fernando, ele achava que matar uma onça com uma lança, zagaia, era impossível. O segundo assunto, foi levantado por mim, o porquê da lenda do chupa-cabra, devia ter coisa por trás disto.
O segundo motivo e mais importante, foi a desconfiança, da má intenção, com que a lenda do chupa-cabra, foi criada e apoiada pelos veículos de comunicação, até as televisões. E sempre os mais humildes é que sofrem as consequências destas histórias de assombrações, chupa- cabra, mula-sem-cabeça, o coisa ruim, fantasmas, entre outras lendas.
Estas imagens foram tiradas do Google, do site: www.outdoorlife.com.
A zagaia está em um museu, na descrição esta lança foi usada muitas vezes em épocas passadas. Ao lado em um site americano achei essa foto de um zagaieiro no Pantanal de Mato Grosso, especializado em caçar esses animais. O uso da zagaia, não era praticado por apenas um ato de coragem, era uma grande necessidade, pois no fim do século retrasado e início do século passado, no sertão não tinha armas de fogo capazes de abater um animal deste.
A arma que eles possuíam eram chamadas de “pica-pau”, eram feitas artesanalmente e carregadas pela boca, a pólvora era tipo elefante, e o chumbo nem sempre era tipo número 1 ou chamado chumbo paulazousa. Muitas ainda eram tipo pederneiras, assim o uso da lança era uma necessidade, e os caçadores requisitados. As histórias, não podemos negar, sou testemunha de algumas. Tinha um Tio chamado Narciso, já falecido, há muito tempo, que foi plantar café na região de Penápolis, 1928. Lá ele morou em uma casinha de pau-a-pique, no meio da mata virgem, que era derrubada para plantio do café. Conta que havia muitas onças, e era um perigo mesmo. As histórias são muitas, vou escolher uma para contar.
Os assuntos: matar uma onça com uma zagaia, e a existência de um chupa-cabra, deixou o Zelão e o Fernandão, em um estado de perplexidade.
Até na televisão, por exemplo, no programa do Ratinho, o chupa-cabra, foi amplamente comentado. Tirando centenas de histórias contadas em prosa, nas rádios no interior do estado, este era um assunto, principalmente muito comentado, nas áreas rurais, na década de 1990.
A história que vou narrar aconteceu há décadas passadas. Os fatos ocorreram lá pelas bandas de Lagoa Branca, que era distrito da cidade de Casa Branca, SP, Vargem Grande do Sul e São Roque da Fartura.
A história foi contada por uma ilustre pessoa, chamada de Doutor Alvino Lima. Era homem de respeito, e nunca inventava fatos ou contava bravatas. Sua memória era admirável, e as expressavam com muita clareza, pois era um advogado formado na Faculdade de São Francisco, USP, chegando ao cargo de diretor. Era homem de Cultura, advogado de dinheiro, pois era filho do Coronel Moji-Guaçu, rico fazendeiro da região, cujo nome de batismo era João Caetano de Lima Marques, mas como disse, era conhecido em toda região apenas por Coronel. Proprietário de uma grande fazenda, que se estendia pelos municípios de Vargem Grande do Sul e Lagoa Branca, que se Chamava Lagoa Formosa.
Esta é uma foto do Google Earth, da localização da fazenda Lagoa Formosa e do Rio Jaguari.
Como os fatos passam na Fazenda Lagoa Formosa, na região da cidade de Vargem Grande do Sul, e do Rio Jaguari, com seus inúmeros meandros, e matas ciliares originais, colocamos esta foto, para melhor localização e entendimento dos fatos. Ao norte da fazenda fica a cidade de Vargem Grande do Sul. As terras da fazenda ficam em grande parte na margem direita do rio Jaguari. A propriedade possui uma grande área de mata nativa, preservada até hoje.
Além de 300.000 pés de café, possuía uma criação de gado Gil que era orgulho do coronel, em toda a região. Chegou a comprar toros caríssimos para apurar a raça. A fazenda tinha no centro uma grande lagoa, que se comunicava com o Rio Jaguari, e era rodeada pelo lado Noroeste por uma mata virgem de mais de 1.000 alqueires. Essa lagoa que deu o nome da fazenda.
Vez ou outra um animal da fazenda era morto por animais que moravam na mata. O coronel não gostava, mas também não tomava nenhuma providência. Achava natural este acontecimento. A área do curral, a noite era bem escuro, pois havia muitas árvores centenárias na área. Quando havia gritos de ataque aos animais, os vultos vistos das frestas das janelas; ditavam o atacante, seria um lobo, um gato do mato, uma jaguatirica, ou mesmo uma onça pintada? Com a imaginação do chupa-cabra, o leque das imaginações foram se concentrado na figura mítica do momento.
Em uma noite no retiro, margens do rio Jaguari, uma novilha foi morta e estraçalhada por um animal estranho. Diferente, por que, no momento da morte, tarde da noite, a gritaria no retiro foi de arrepiar. O Galdino, chefe do retiro, empurrado pela calabresa sua brava esposa, fez ele pegar a garrucha e o lampião a querosene, e sair para fora e ver o que estava ocorrendo.
O retiro ficava a uns 40m para baixo da casa. Apenas caminhou uns 15m e os berros dos animais diminuíram, aí ele tremeu, mesmo na semiescuridão da noite, uma imagem desforme, seria um vulto escuro pulou as tábuas do curralinho, carregando um quarto da novilha sangrenta e saiu em direção ao portão do mangueirão, até aparecia que o quarto da novilha andava baixo no meio da guanxuma. Em seguida ia sumindo na escuridão.
Mesmo sem ver muito bem, pelo susto e medo, levou a garrucha no ponto e tardou fogo. Duas chamas vermelhas, da queima da antiga pólvora elefante, obscureceram a visão do assustado Galdino. Dando segundos para sua imaginação, floreando a cena, na fértil mente, alimentada pelo medo, naquele pequeno lapso de tempo, encontrasse a explicação óbvia, cristalizando a ideia, era mesmo o chupa-cabra, e eu toquei fogo nele.
Aí, com a missão cumprida entrou, e disse para mulher: Preguei fogo, sem dó, era o chupa-cabra. Era um bicho grande, peludo, que carregava a ensanguentada novilha com facilidade, mas levou chumbo mulher. Vi quando a pancada de chumbo grosso, bateu nas costas do maldito.
A mulher disse: Virgem Maria, entra vamos rezar, isso é coisa do outro mundo. Bem que a comadre Zuleide disse, que coisas estranhas tinham acontecido na meia noite, e que sumiu um porquinho capão de engorda e nosso cachorro sumiu também. É mesmo coisa do outro mundo mesmo.
No outro dia, o curralito tinha sangue para todo lado, e havia outra novilha morta e meio esquartejada, estava confirmado, era mais um caso do chupa-cabra, Galdino, por um tempo passou ser o herói da região, o homem que pregou fogo no coisa ruim. A história correu pelas fazendas, e bares da região.
Todos da colônia e mesmo alguns vizinhos quiseram ver o estrago feito pelo chupa-cabras, e o herói da garrucha, a cada descrição aumentava um pouquinho o acontecido, o que é natural. Ninguém, saiu da fazenda aquele dia, e a cidade, se saíssem seria Vargem Grande do Sul. As 18:00h, no horário rural da rádio de São João da Boa Vista, foi dado a notícia que o chupa-cabra, havia matado dois bois na Fazenda Lagoa Dourada, sendo que um ele levou, mas deixou a cabeça. O outro ficou no chão morto ensanguentado. O coronel e o gerente Sr. Emílio, fizeram uma pesquisa e não descobriram quem poderia ter levado este distorcido fato para a rádio. Nas regiões rurais as notícias andam misteriosamente, creio que nas cidades também.
O coronel, ligou os fatos, somente poderia ser quem sabia mais que todos eles da fazenda, e ficou com as antenas ligadas. Com certeza absoluta seria o próprio “chupa-cabra”.
Dias depois, o Coronel, foi para São Paulo em uma exposição no Parque da Água Branca. Lá em um leilão comprou um tourinho, puro sangue Gír. Para mostrar aos funcionários conseguiu a fotografia do premiado pai do animal que comprou.
Para quem entende, o bezerro, tem todas as caracterizas, que será um belíssimo toro reprodutor leiteiro. Mas os mais leigos não acharam o garrotinho muito bonito não, se comparado com o belo touro, que é seu pai.
O garrotinho veio de São Paulo, em um vagão próprio no trem, direto para Lagoa Branca. Esta estação era a mais próxima da fazenda o que facilitaria a retirada do animal, que teve que ser embarcado em Campinas, onde tem início a linha tronco da estrada de Ferro Mogiana. Se fosse embarcado em São Paulo, na Estrada de Ferro Paulista, teria que fazer baldeação em Campinas o que seria um risco desnecessário.
O coronel pediu todo cuidado para ir pegar o animal na estação de Lagoa Branca. O vagão tinha ficado em um desvio, muito utilizado pela linha da Mogiana, assim o chefe da estação pediu urgência para retirar a preciosa carga.
Essa estação já havia sido muito importante, no tempo do café plantado na região da Mantiqueira, muito embarque da preciosa bebida ocorria aí. Nesta área do planalto do estado de São Paulo, as terras são predominantemente de campos baixos, com manchas de cerrados nas grutas. Por isso existem nas baixadas lagoas, de onde vem o nome da cidadezinha e da fazenda. As mesmas formações existem em Minas Gerais, lá chamadas de Veredas.
Coronel era detalhista. Mandou chamar o gerente da fazenda, Sr. Emílio, que já estava ajeitando o velho caminhãozinho, Chevrolet, apelidado por todos de, Ramona, para ir buscar o animal, a conduções como eles diziam, era duro, barulhento, e os condutores nem guiavam bem, também para andar por aqueles fundões, dava certo e estava bom.
Coronel disse, Emílio esquece a Ramona, coloca as 3 juntas de bois no carro, vê se as guardas de bambu estão firmes, o eixo do carro de boi bem engraxado, os bois escolhidos mansos já bem treinados, para o Zé Timbó, conduzir a carreada, e ir buscar o garrote na estação. E por favor pegue o cavalo e vai junto, para organizar tudo e tomar conta da volta.
O veterinário disse que seria bom trazer o animal com calma, depois da viajem, pois ele está muito nervoso, apartado do rebanho, a grande exposição em São Paulo e a viagem, pense bem!
Depois de carregar, vão para a sombra da mangueira, que tem lá, dá água e ração para o animal, espera ele ruminar um pouco e depois toca embora. Você sabe, que quando ele embarca, é sem comer nada, para não passar mal no sacolejo do último vagão de carga, que é onde ele vem. Por isso tome cuidado.
Estas duas fotografias são do Google, pois na ocasião não havia condições de tirar fotos. Mas pelas descrições do Dr. Alvino, o carro de boi e o caminhão chevrolet são esses modelos mostrado na imagem.
Com o carro-de-boi, demoraram 3 horas para chegar na estação de Lagoa Branca. E realmente o vagão de trem, com o tourinho estava no desvio a espera. Com todo cuidado desceram o animal do vagão. Emílio notou que o animal não estava muito bem, assim resolveu não o colocar no embarque, levou puxado com calma, debaixo da mangueira, deu água, que o animal bebeu muito pouca, o farelo oferecido ele não quis comer.
Emílio conhecia ali perto um sitiante, que tinha um rancho, onde há tempos ele tirava leite, agora servia de garagem, foi até lá e perguntou se podia acomodar o animal lá por um dia para recuperar a saúde, pois tinha vindo de São Paulo de um leilão, exposição, viagem de trem, e longe de seu ambiente, não estava em condições de seguir viajem. Acertou direitinho, a estadia, incluindo um pastinho para soltar os bois de carro de boi, para um pernoite.
Tudo acertado, chamou o carreiro, Zé Timbó, e deu as ordens. Leva o carro de boi lá no sítio do Tuca, já combinei tudo com ele. Solta os bois no pastinho, dê sal e ração que estão no carro. O Tuca, entende de gado e já está cuidado do tourinho. Vai dar um banho nele, fazer uma cama de capim gordura e deixar e relaxar. Ele disse que o animal está um pouco com batedeira, precisa de sombra e sossego. Vou avisar o coronel, e também sua mulher que hoje você vai ficar aqui, cuidando de tudo. Você tem algum problema, para isso?
Senhor Emílio, meu pai era carreiro de boi, lá pelas bancas de Aceburgo e Guaxupé, me ensinou, sair com o carro-de-boi, é levar a traia, é saber a hora de sair e não ter hora para voltar. Quem manda é a boiada. Vou ajudar cuidar do tourinho e de minha boiada, pode ir em paz.
Emílio, montou no fogoso cavalo Baião, e partiu no passo para visar e tranquilizar o coronel.
Segundo o sitiante e morador pode apurar, com conversas lá pelos lados da estação, quando o vagão com o animal foi deixado no desvio, uns moleques que saíram da escola, ao passar pelo tourinho, ficaram mexendo com ele, cutucando com vara de bambu, para ver ele pular dentro do trem, e quando ele chegava nas laterais, enfiavam a vara para ele pular mais. Isto por bastante tempo a gente sabe como é esta molecada.
Pelas contas do Zé Timbó, ele chegou com o caro-de-boi pouco tempo depois que a molecada havia feito a arte com o garrotinho. Por isso que ele estava naquele estado. Estava tudo esclarecido.
Quando foi mais à tardinha o garrotinho, que foi apelidado pelo Emílio de LAGOA BRANCA, já estava normal, comeu, bebeu água e saiu andando pelo pastinho, sob o olhar atento do carreiro.
O outro dia bem cedinho, os bois foram preparados, cangas e canzis colocados corretamente. Tudo preparado, o Lagoa Branca embarcado no carro-de-boi, muita gente foi ver o animal. O Emílio, nem tinha raiado o dia, já estava lá vendo o embarque do animal.
A chegada na fazenda foi tranquila, o coronel ficou feliz ao ver o animal já instalado na sua baia. Contudo, no íntimo o Coronel não ficou muito satisfeito, foi confirmar o número de identificação na orelha do animal, com a nota. Estava certo, mas mesmo assim saiu pensativo para o escritório.
Emílio alicerçado nos 50 anos de Lagoa Formosa percebeu a insatisfação do patrão. E perguntou:
— Coronel qual o problema, tem alguma coisa?
–Emílio, nunca gostei de comprar em leilão, lá naquele tumulto, um copo do bom Whisky, as moças oferecendo, os olhos amansam e tudo fica maravilhoso, depois vem a razão. Sabe, agora não gostei muito do animal, vou pensar o que fazer. Sentou na escrivaninha, com um gesto dispensou o funcionário.
O novo animal era bem manso, e preso com um belo cabresto de couro, com argolas douradas. Diariamente era conduzido pelo pião, para longas caminhadas, no carreador entre a lagoa e a mata, as vezes o animal parava, para saborear um capim jaraguá fresco na beira da lagoa. Era ordem do coronel, andar bastante com o tourinho, para que ele fique um touro reprodutor de grande porte.
Depois de um tempo, já mais desenvolvido, novo ainda, o empregado levando o tourinho pela beirada da mata, ele arrepiou, pulou, arrancou o cabresto da mão do pião, e saiu bufando em direção ao curral. O pião esbaforido, saiu correndo, mas somente pegou o cabresto já no curral. O coronel havia visto tudo. Desculpe patrão não sei o que aconteceu.
–Não precisa se preocupar, mas tem alguma coisa lá no mato que espantou muito o animal. Vamos tomar cuidado!
Não deu outra, à noite daquele mesmo dia. O alvoroço no curral se repetiu, os berros do tourinho, invadiu a colônia da fazenda. Galdino consciente de suas mentiras, relutou um pouco em pegar a garrucha, e sair no descampado atrás do chupa-cabra, que ele achou que era o atacante. O pião que estava mais perto, acordou, e viu um quarto traseiro do tourinho, sair arrastado para o lado da mata da lagoa.
A fazenda se alvoroçou, lamparinas e lampiões apareceram, correram para o curral, a cena foi muito marcante e forte, lá estava com os olhos arregalados, a garganta rasgada, a língua para fora, e somente a parte dianteira e barrigada do touro de estimação do coronel, estendido em uma poça de sangue. Uma cena horrível de ser vista. E todos ficaram na expectativa da reação do coronel, quando ele chegasse no curral.
O coronel, apareceu com o colt38 na cinta, e um lanterna de pilha, cabisbaixo e em silêncio, examinou tudo. Nada disse. Ia voltando para a sede, em pequenos passos, pensativo. Andou um pouco e voltou, observando tudo. Mandou chamar o peão que tomava conta do tourinho, era o Tonho. O peão veio na certeza que iria ser mandado em bora, e sofrer alguma reprimenda. Mas, não foi assim.
–Escuta aqui Tonho, põe seu “penso” para funcionar, e você vai me levar, com calma, e segurança no lugar perto do mato, onde o tourinho refugou e saiu correndo. Hoje à tarde perto do mato.
–Está bem, seu coronel, sei o lugar certinho, pois foi ao lado daquele grande pé de sangra- d´água, na beirada do mato. Ali tem uma grande moita de capim jaraguá.
–Então pega meu lampião grande de carbureto, as lanternas e vamos lá. É para já coronel.
Quando chegaram lá, foram cuidadosamente caminhando pelo mato. O coronel observava cada detalhe, em todos lugares. Tonico não estava entendendo nada. Depois de quase duas horas, o coronel disse: Finalmente achei! Era um monte de fezes, perto de um grande pé de ipê, e um cheiro forte de urina. É aqui que a bitela ficou na espreita, do meu tourinho. Olha todo este capim amassado, é onde ela ficou deitada, na espera. Não tem animal mais inteligente, que um canguçu deste, Tonico. Ele estudou a situação, para a noite atacar a presa escolhida, meu tourinho. Inclusive no tronco do pé, havia profundos sulcos feitos pelas unhas da fera, marcando para sempre seu território naquela área.
–Vamos Tonico, presta muita atenção, não fala nada para ninguém, o que eu achei aqui, certo? Não quero que ninguém ainda saiba desta onça. Como ele não havia entendido quase nada, disse, certamente chefe. Se dependesse de Tonico, sairia falando do por todos os cantos o que ele tinha visto. Mas coronel, nem para Verônica minha mulher? Escuta bem Tonico, eu disse para ninguém, muito menos as mulheres, você sabe muito bem disso.
Já era madrugada, o orvalho havia molhado a vegetação, os dois homens caminhando com o lampião de carbureto, fazia as gotículas de água brilharem nas folhas, as vezes aparecia que, uns enxames de vagalumes acendiam seus brilhos, com a passagem dos silenciosos homens.
No outro dia, o coronel, acordou cedo, e chamou o Romão, seu homem de confiança, e foram ao lugar onde ele havia achado o excremento do animal. Atrás da árvore a grama amaçada mostrava claramente, que o bicho de grande porte havia estado ali, foi a confirmação da noite anterior.
–Romão, você está pensando o mesmo que eu?
–Sim, uma onça esteve aqui, negaceando o tourinho, por isso, ele sentiu o cheiro, disto tudo e arrepiou carreira.
Eles depois foram fazer um exame no curral onde, o tourinho foi morto e cortado. As marcas não deixavam dúvidas, o ferino de grande porte havia matado o novo tourinho, e arrancado o traseiro, que ele poderia carregar, quando percebeu sinal de gente, com sua presa nos fortes dentes, pulou as tábuas, e sumiu pelo pasto para bem longe. As folhas largas e ásperas do caruru, estavam manchadas de sangue, mostrando o caminho que a fera havia tomado. A onça carregou a carcaça do tourinho mais de 3km, comeu uma parte e escondeu a outra em uma moita.
O Romão voltou, do achado e contou ao coronel dizendo: – Pode deixar, comigo, esta noite, estarei empoleirado na tocaia e matarei a maldita.
O coronel sentado na cadeira ficou, por um momento pensando, matar a onça era o menos, era momento de tirar uma grande lição do acontecido. A história deste chupa-cabra, deve estar dando lucro para alguém, vamos ver se esclareceremos um pouco deste fantasma. Esta ideia de um monstro, importada da Costa Rica até a Argentina, por todos estes cantos, seguramente é interesse de alguém. Pensando nisso ali ficou sentado na sala.
O patrão com a fisionomia circunspecta, o olhar profundo no interior de seus pensamentos e raciocínios, chamou o Romão, mandou ele sentar na cadeira ao lado. A coisa deveria ser séria pois sempre recebia as ordens em pé, e com o chapéu na mão.
- Romão, já ouviu falar no Tião Zagaieiro, também chamado de Tião do Nuja?
- Não coronel.
- Pois bem, o Tião ou Sebastião Zagaieiro, mora em São Roque da Fartura, é o maior especialista, que tenho notícia para matar estas onças, que ficam amadrinhadas ao redor de fazendas criando confusão e estragos. Ele não usa espingarda, mas tem 3 cachorros mestres, e abate o canguçu, com uma lança especial que se chama Zagaia. Os cachorros treinados dele, encantoam a fera até ela com muito medo e raiva, depois da corrida, da canseira, acha uma boa árvore para subir e se livrar dos cachorros. Mas o zagaieiro, vem atrás, atiça o animal ao máximo, e espera a fera pular nele e enterra a lança, que tem o cabo apoiado no chão, com a ajuda do próprio peso e a força do animal, o aço afiado, dilacera e corta o pulmão e o coração da fera.
Tudo que vou falar com você, Romão é para morrer aqui. O assunto é importante para mim, assim, não faça nenhum comentário de nada. Pois vou mandar você ir na maior humildade, buscar o Tião Zagaieiro, lá em São Roque da Fartura, para matar a onça, com sua famosa lança mortal, quero que todos saibam disto, pensando que ele vem matar o chupa-cabra, ou seja o bicho do outro mundo. Mas nada de onça!
Sei perfeitamente que você mataria esta fera, com facilidade, era esperar na tocaia, e tocar fogo com seu famoso bacamarte. Contudo meu objetivo é outro, quero que a lança de aço, destrua também não somente a onça, mas a lenda, do chupa-cabra, que corre por todo este mundão.
Amanhã você vai fazer uma importante viagem. Primeiro, passar em um lugar, para lá de especial. É na Fazenda Bocaina, vai se encontrar com o Senhor Reinaldo naturalmente é o dono. Lá está acontecendo uma coisa que nunca, nunca mesmo, ocorreu por estas bandas. A Companhia Vera Cruz, está fazendo um filme sobre o cangaceiro Lampião, que para alguns era um bandido sangrento, e para outros, lá no Nordeste um herói.
Haverá muita gente lá pela sede, e pelos barracões. A casa principal, foi alugada para hospedagem dos artistas principais e os diretores.
Amanhã será o lançamento do Filme LAMPIÃO REI DO CANGAÇO, as autoridades das cidades estarão lá no grande acontecimento. Você, com sua calma, vai dando um jeito de esparramar a notícia, que está indo a São Roque da Fartura, a mando do coronel, chamar o Tião Zagaieiro, para com sua lança mortal, dar conta de um bicho perigoso, que tem feito estrago nos animais da Lagoa Formosa. Pode florear sua prosa, mas nunca diga que seria uma onça. Certo?
Recebi um convite do prefeito de Vargem Grande do Sul, para eu comparecer lá no lançamento do filme, até que gostaria, conhecer os artistas, principalmente a principal Vanja Orico, que me disseram ser uma mulher muito bonita.
Amanhã se prepara bem de madrugada pega a mula Colina, que é estradeira, e parte para São Roque da Fartura, encontrar o Tião Zagaieiro. Mas sua viagem será longa, tem que passar na Bocaina, com uma missão. Na entrada de Vargem Grande, pare no ferreiro Facchine, e peça a ele ferrar a Colina, com ferraduras de 7 cravos, pois a subida da Serra da Mantiqueira é pura pedra. Depois pode parar na cidade, no bar do Candinho para comer, vale a pena.
–Tudo entendido? Deu um pacote de notas, para ele pôr na guaiaca, e fazer fartura na missão, pois estava indo em nome do coronel.
O sol ainda não havia despontado por sobre a mata, e o Romão, todo aprumado, já estava despedindo dos companheiros e partindo, para cumprir sua importante missão. O primeiro destino seria a Fazenda Bocaina, que ficava a uns 18 Km de distância.
Fazia um certo tempo que Romão não viajava, estava sentindo um rei montado na possante mula Colina, que ia rompendo o estradão, era época das chuvas, tudo estava muito verde e bonito.
Logo que saiu do curral a estrada era plana, em um ótimo terreno de aluvião, formado há muitos séculos pelos meandros do Rio Jaguari. Uma imensa plantação de milho, delimitava a estrada. A terra fofa e argilosa, amortecia o trote do animal. Tudo era silêncio ainda, antes do clarear do dia. Logo depois ao longe um canto cadenciado do nambu, esparramou o som pela baixada, e logo mais à frente foi correspondido por outra ave. Para o pião, habituado a ouvir esses cantos, foi importante, identificou o ambiente, delimitou seu espaço, tirando de vez seu pensamento da solidão da viagem.
Terminou o milharal, iniciou a maravilhosa plantação de café. Ali começava uma suave subida, a terra de aluvião terminou, iniciou a terra massapé, ótima para o cafezal. Foi cruzando o cafezal, muito bem cuidado, eram plantas de mais de 20 anos, ele quando mocinho ajudou a plantar, em perfeitas curvas de nível, marcadas por doutor agrônomo. O orvalho ainda presente nas verdes folhas, refletiam em espectros a luz do sol nascente, ora em feixes brancos como diamantes, ora multicoloridos, tudo aparecia e sumia, ao ritmo do trote seguro da mula, na suave subida da plantação.
Depois das áreas de plantações, a topografia do terreno foi se modificando aos poucos, até se transformar em um solo arenoso, com mais de 70% de sílica. A estrada passou apresentar grandes estirões de retas. Contudo em certos pontos, forma-se grandes areões. Nestes a mula, mostrava claramente seu descontentamento, pois seus cascos enterravam na areia dificultando o trote, a cadência da viagem diminuía muito. A vegetação nesta região era de campo baixo, em poucos decliveis existentes formava-se uma capoeira alta, indicando a possibilidade de água.
Em determinado momento, Romão admirou a capacidade da mula Colina, pois sem seu comando, ela desviou do grande areão, saiu por um trilho paralelo no meio do campo. Aí o pião pode analisar a inteligência dos animais, as vacas que por lá passavam, e os cavalos, em todos areões havia sempre um trilho batido paralelo desviando da areia. Achou esse fato incrível, pois sempre que passou por aquele caminho, foi de condução motorizada do coronel, ou de trole com dois animais puxando.
Agora ele entendeu a expressão que as vezes o coronel falava, quando ele não fazia um trabalho completo: Aí Romão, você pegou o trilho do areão.
Logo em seguida, passou por uns 2 Km de eucalipto, ainda plantados pela companhia Mogiana de Estrada de Ferro, quando as locomotivas eram a vapor, e logicamente usavam a madeira para aquecimento das caldeiras. Ele sempre ouvia seu pai e outros de idade, comentando sobre os imensos eucaliptais plantado nos campos baixos, de terra ácida e fraca, mas onde as árvores trazidas da Austrália, iam muito bem. Tinham as raízes profundas e iam buscar água, no profundo lençol freático da região. A crítica dos antigos, com toda razão, era que as grandes plantações secaram inúmeras minas de água, ou seja, nascentes de pequenos riachos. Cada pé desta árvore, suga por dia mais que seu peso em água, para fazer a fotossíntese, e crescer na velocidade que crescem.
Depois desta plantação, a estrada chega a uma bifurcação, quando pega a saída à direita, vai direto para a Fazenda Bocaina. Era perto, e logo o Romão chegou lá. A esquerda era para a cidade de Vargem Grande.
O pátio da fazenda Bocaina era bem grande. Na parte mais alta estava a casa da sede. Havia muitas conduções estacionadas ao redor de uma construção que era como um pequeno circo, já com bastante gente dentro, havia muitos aparelhos em seu interior que Romão nunca tinha visto. Com a mula a passo, contornou todo pessoal, e amarrou o animal debaixo de uma mangueira, após dar água para ela, em um bebedouro no curral.
O senhor Reinaldo com toda a movimentação dos convidados, artistas, técnicos, estava atarefado, contudo quando soube que o funcionário do coronel, queria um particular com ele, logo deu um jeito de ir ao encontro.
–Bom dia senhor Reinaldo, o coronel mandou recomendações ao senhor, dizendo que não pode vir ao lançamento do filme, por motivo maior, mas agradecendo o convite. Ele pediu, que eu informasse ao senhor, que estou indo a São Roque da Fartura, buscar o Tião Zagaieiro, que é muito amigo do senhor, pois lá na Lagoa Formosa, está acontecendo umas coisas esquisitas com animais de estimação da fazenda. Como o senhor é muito relacionado, ele mandou avisá-lo, para que isso não esparrame pela nossa região. Pois a presença do zagaieiro e seus cachorros é sempre motivo de conversas. Isso alvoroça o povo, saindo muitas prosas para todo lado. Como o senhor está com muitos visitantes, ele se preocupou que estas prosas pudessem prejudicar seus importantes negócios, com este pessoal da capital que está hospedado em sua fazenda. O senhor Reinaldo abriu um sorriso maroto, entortou um pouca a cabeça, como quem presta muita atenção no interlocutor, parou um pouco, como pensando o que dizer, e disse:
–Mas como? Seu nome é Romão mesmo? É o homem de confiança do coronel? Não esperou a resposta. Fazendo um ar de preocupação, perguntou:
–Que trem é isso que coronel está falando… fez uma longa pausa…é, é, o coisa ruim? Abaixou a cabeça, e falou como externasse seu pensamento, é o chupa-cabra?
— Não, não, senhor Reinado, é justamente para não se alarmar. É para quando começarem as conversas o senhor dizer que não é nada disso. Que o coronel mandou avisar o senhor devido a sua influência em toda região.
— Não quer ficar para mais tarde almoçar, é meu convidado.
–Obrigado, mas tenho chão para andar ainda. Vou indo, obrigado pela atenção.
Sim, o coronel era um gênio, a notícia ia se espalhar pela região mais do que fosse dita em uma rádio. Reinando adorava, os bares, as reuniões e gostava sempre de novidades. Pois não é que havia conseguido levar a Companhia Vera Cruz, filmar o Cangaceiro em sua fazenda?
Antes do almoço Romão chegou ao ferreiro, para trocar as gastas ferraduras da mula. O profissional era bem grande e forte, tinha que ser mesmo, pois pegava o animal pela pata, como se não fosse nada, levantava deixando o casco no jeito, e fazia rapidinho o serviço. Realmente quem nunca viu colocar a ferradura em um cavalo, vê quanto artesanal é o procedimento, e quanta habilidade tem que possuir o ferreiro para um animal, sair bem ferrado.
Na hora do almoço, mais ou menos 12h00h, o pião suando e com fome chegou a uma boa sombra. Tirou o arreio da mula, deu água e um pouco de farelo ao animal. Comeu sua paçoca, com carne seca, e por ali ficou, mais de 1 hora, conversando com outros cavaleiros da cidade, que ali faziam seu ponto na hora do sol quente. Este ponto era uma grande mangueira que ficava atrás da Santa Casa da cidade.
Quando disse que ia para São Roque, todos o aconselharam a subir bem calmo, para não estragar a bela mula. Romão ficou quieto, mas os companheiros estavam tentando ensinar o Padre Nosso Para O Vigário. Tentaram espicular o que ele iria fazer em São Roque. Ele contou que iria buscar o Tião Zagaieiro, para o coronel. Quiseram saber o porquê, aí ele fez o suspense, e apenas disse, é para resolver um caso meio complicado, que tem acontecido a noite com alguns animais do patrão.
Todos se entreolharam, os sentados levantaram, os que em pé estavam, ameaçaram de partir, apenas o Nego Benedito, deu um passo de lado, olhou bem nos olhos do Romão, e depois de um silêncio contido, perguntou:
–É o coisa ruim? Que estou pensando, né!
O sol abrandou um pouco, Romão simulou um nome do padre, e disse, vou arriar a mula e tenho que partir. Todos silenciaram ao som das sombrias imaginações.
Romão orgulhoso atravessou a rua principal da cidade, como dizem, arrancando fogo do rompão da ferradura. Com seu largo chapéu de boiadeiro, lenço vermelho no pescoço, esporas brilhantes, era uma figura típica dos peões da época. Não deixou de notar os olhares, compridos, das moçoilas e mulheres por onde passava. Isso fez Romão apertar a espora, e a Colina sapatear nos cascos, emitindo sons estridentes de ferro com os negros paralelepípedos do calçamento. Ele ficou todo orgulhoso. A mula parecia estar orgulhosa de seu desempenho, pois Romão nunca tinha visto sua montaria, com a cabeça tão erguida, suas orelhas em pé, as ventas dilatadas, e sapateando alto para se mostrar. Era a chamada mula queimadeira de panela, pois as mulheres ficavam paquerando os peões e a comida no fogão se queimava.
Uns 5 km à frente, já na subida da serra, chegaram ao Rio Fartura, que descia acachoeirado serra a baixo, aproveitou para dar água para a mula e encher seu cantil.
A região era diferente, de onde nascera e vivia há 38 anos, na fazenda Lagoa Formosa, onde as terras eram planas, por serem aluvianas, acompanhando o vale do Rio Jaguarí, que corria em meandros pela planície, ladeado sempre por densas matas galerias. Há milhares de anos o rio depositava, em suas curvas fechadas, uma terra fértil ao longo de toda a região, formando uma fértil planície.
A região da serra era totalmente diferente. A terra muito fértil também, era a Mata Atlântica, que foi derrubada para dar lugar aos cafezais. O terreno era muito acidentado. Os pés de café eram plantados em íngremes encostas, e produziam, devido ao clima, uma bebida de excelente qualidade, apreciada em todo o mundo. Precisava-se muito de mão de obra para estas atividades cafeeiras, foi por este motivo, que houve uma grande imigração de italianos para a região. Era um povo trabalhador, que vieram para vencer, e venceram. Muitas fazendas da região, depois de anos, foram compradas pelos colonos que lá trabalhavam.
Todos olharam para ele, que era mestiço, de branco com preto, e tinha a pele bem escura. Os italianos eram claros. Em uma encruzilhada, ficou em dúvida, e perguntou a uma moça o rumo a ser tomado.
Quando ela virou, Romão quase caiu da sela, pela beleza da moça, um sotaque diferente. Olhos azuis, um corpo escultural, e uma atenção que deu a ele, fora do comum. Ofereceu até água, ao diferente viajante, Romão desceu da mula, aceitou a água da cabaça. Agradeceu muito. Boquiaberto, montou na Colina e partiu, pensando: Meu Deus, como pode existir uma mulher tão linda assim.
Ao entardecer chegou a São Roque da Fartura. Gostou das alturas da cidade, a vista ia longe, até se perder nas brumas das longas distâncias do horizonte. Viu uma mancha branca no sopé da Serra e lhe contaram que era Vargem Grande do Sul, por onde havia passado, ficou admirado e disse:
- Nossa como o mundo é grande. Ele nunca tinha saído da fazenda do coronel, para ele o mundão era a Lagoa Formosa e região.
Achou uma baia, no fim de uma íngreme rua, para largar a mula e dar ração, recomendando bem para ela ser raspada e limpa. Logo a cidadezinha inteira sabia que Romão, o morenão, estava atrás do Tião Zagaieiro.
Estava tomando uma branquinha no bar, quando um senhor de uns 80 anos, o abordou. O senhor é empregado do coronel Mogi-Guaçu?
- Perfeitamente, governador (este era o cargo mais importante que conhecia, em seu saber).
- Bem, por favor, qual é sua graça?
- Eu me chamo Romão de Lima. Estou aqui a procura de Tião Zagaieiro, a mando do coronel da Lagoa Formosa.
Seu Romão eu sou o prefeito desta cidade. Tenho grande admiração pelo coronel, seu patrão. Sei que está à procura de Tião Zagaieiro, que também é meu amigo. Se quiser vou apresenta-lo ao senhor.
Governador o senhor aceita um aperitivo? Nunca estive nessas alturas, estou admirado. Aqui o vento sopra diferente, é de baixo para cima. De onde eu moro as distâncias são curtas, e o céu é bem alto. Aqui é diferente, as distâncias são longas e o céu mais baixo. Parece as nuvens estarem na nossa altura, igual a um monte de algodão limpinho. É bonito de ver, o olhar não se cansa, lá para baixo, as sombras andam mostrando os cafezais.
Educadamente o prefeito declinou do convite, mas admirou muito a argúcia das observações do Romão. Todas procedentes. Depois senhor, por aqui tem muito mais a ser visto o senhor vai gostar, o estado de Minas Gerais é nosso vizinho companheiro.
O prefeito, esmerou nas explicações para o visitante, e juntos logo chegaram na casa do Tião Zagaieiro que recebeu os dois homens com um largo sorriso, cumprimentou o prefeito, e este apresentou Romão, ao dono da casa.
Vamos entrar amigos, a casa é nossa. A casa era simples, o chão de terra batida, as paredes caiadas de branco, o madeirame do telhado de paus roliços. Mas tudo muito limpo, e cheirando bem. No fundo da casa, um fogão a lenha, exalava seu cheiro característico, de uma lenha de madeira de lei, queimando desde o amanhecer. As panelas de alumínio brilhante, dependuradas sobre o fogão, iluminavam o ambiente, já um pouco escurecido pela fumaça dos tempos, e atestavam o esmero e capricho da dona da casa. O alvejado pano de prato branco, feito de saco, com bordados infantis estava estendido secando no rabo do fogão. Tudo isso era o retrato de uma casa humilde, cuja dona seguia à risca o princípio da limpeza e cuidados domésticos.
Logo depois das conversas protocolares, o delicioso cheiro de café passando pelo coador, em uma “mariquinha” inundou a pequena casa, proporcionando um sentimento de companheirismo extraordinário a todos. Coar um café, no tempo do fogão a lenha era uma deferência importante, que a dona de casa fazia, a uma visita. Todas tinham uns gravetos secos, a mais, e no jeito para essas eventualidades, principalmente no tempo das chuvas.
Romão imaginava o Tião Zagaieiro, muito diferente do que realmente ele era. Pensava um homem alto, bravo, até certo ponto grosseiro, contador de papo, e prepotente.
Nada disso, era um homem atarracado, baixo, não mais que 1,68m, de fala mansa e muito gentil. Filho do Nordeste, cabeça chata, como ele falava. Os olhos azuis e a pele clara. Usava um chapéu diferente feito de couro, bem enterrado na cabeça. Os passos miúdos, mas seguros, como se estivesse carregando um peso bem grande. Uma peixeira atrás, atravessada na cinta. Uma figura singular naturalmente.
- Então seu Romão, o que o traz aqui, de tão longe, perguntou, como quem já sabia a resposta.
Romão com seu modesto vocabulário, mas conciso e bastante preciso, contou os fatos ao senhor Tião Zagaieiro. Em poucas palavras tentou transmitir, o pensamento do coronel. Falou com tranquilidade, pois o prefeito se despediu logo depois do café e partiu.
Ele ficou quieto o tempo todo, às vezes pedia para repedir detalhes, quando Romão terminou, ele levantou, sem dizer palavras, entrou em um quartinho e voltou com uma zagaia na mão. Era um lança com uns 2 metros de comprimento, bem maior que o matador de onça. Possuía uma ponta fina de aço, muito resistente, de uns 40 cm de comprimento, depois tinha duas hastes nas laterais. Na realidade a ponta lembrava uma flor de Liz, em seu perfil. O cabo grosso, e escuro, de uma madeira de lei, impunha respeito pela peça mostrada.
Passou a zagaia ao Romão, que admirou pelo grande peso do equipamento, percebeu como era resistente e estava muito bem cuidada e afiada.
Bem seu Romão, com esta zagaia já abati mais de 5 pintadas, por este mundão a fora, durante minha vida de zagaieiro. As primeiras foram lá na minha terra. Quero que o companheiro saiba que esta não é minha profissão, sou meeiro e colono de café na fazenda dos Villelas, mas tenho liberdade para executar estas tarefas quando aparecem. Meu patrão, conhecido por Coronel Villelão, também gosta destas aventuras, se estivesse aqui tenho certeza que gostaria de ir junto, mas ele está em Santos negociando café. Ele conhece, e é amigo de seu patrão o Coronel Mogi Guaçu.
Bem seu Tião o coronel quer saber se o senhor pode ir resolver este caso para ele, na Lagoa Formosa, conforme eu expliquei para o senhor.
- Sim, com satisfação vou servir o coronel. Este trabalho as vezes é demorado, precisa ser feito com muita observação do caso, dos lugares e do envolvimento pessoal.
- Romão mais prático, não entendeu bem as considerações do Tião, mas deu por visto, e disse: Podemos partir amanhã?
- Somente tenho que arranjar a traia, tratar dos 3 cachorros que tenho, e vamos. Tenho também que acertar as coisas aqui em casa, pois minha mulher tem que ficar lá na casa da irmã dela, eu não aprovo ela ficar sozinha aqui. A cidade é pequena e o povo falador demais.
- Estamos certo, estarei esperando na pensão da Dona Martha, a hora que o senhor marcar.
- Amigo meu não dorme em pensão, vai dormir aqui. Minha casa é pequena, mas tenho um quartinho para os amigos pernoitarem. E minha mulher já está preparando um franguinho para a janta.
Romão quis conhecer os famosos cachorros onceiros. Lá foram para o quintal.
Os cães estavam deitados em uma varandinha. Quando o seu Sebastião chamou, os três belos animais pularam e pararam na soleira da porta. Eram grandes, não exageradamente, mas muito corpulentos, com uma musculatura forte evidentemente, pelo treino que o dono impunha a seus animais de estimação. O maior era preto como a noite e chamava Gavião, era o líder da pequena matilha. Os outros dois pareciam irmãos eram brancos e vinagre, um chamava Tejo e o outro fiel. Não tinham cara de bons amigos não, o olhar demonstrava uma determinação, e sempre buscando olhar para o dono, esperando ordens!
Ele mandou os cães deitarem, eles obedeceram imediatamente.
O restante da tarde foi para contar casos e mais casos. O Sebastião Zagaieiro pediu ao Romão para chamá-lo sempre de Tião, daqui para frente.
Companheiro, você já conhecia a região de Fartura, de São Roque. Nós temos uma região muito bonita. Gostaria de conhecer? Sim, há muito tempo mesmo eu queria ter vindo aqui. Ela é diferente da minha região, contam maravilhas, destas encostas, onde o sol não bate, em épocas certas, e é possível colher batatas e cebolas, sem irrigação, mesmo na seca. Sim é verdade, são lugares especiais, para os lados de Caconde ao norte daqui, e Capestrinho mais nordeste.
Vamos então até o Pico do Mirante da Lajinha, lá está a mais de 1.400m de altitude, e você terá uma boa ideia de onde estamos. Como você está vendo, estamos no alto da Mantiqueira, bem na divisa do estado de São Paulo e Minas Gerais. Lá longe, bem para o lado Este está Poços de Caldas e todo estado de Minas Gerais. Para Oeste, da Serra, está o Estado de São Paulo, onde estamos.
A cidade tem ganho importância por estar no traçado do Caminho da Fé. Tião enfatizou muito a importância da cidade está na rota da trilha da fé. Tião se orgulhava de já haver percorrido a trilha da Fé por duas vezes, para pagar promessas recebidas.
O Caminho da Fé é um trajeto de peregrinação brasileiro inspirado no Caminho de Santiago de Compostela (Espanha). É um feito pelos peregrinos em direção ao Santuário de Aparecida do Norte. Atualmente sai de Cravinhos, São Simão, Tambaú, Casa Branca, Vargem Grande do Sul, São Roque da Fartura, Águas da Prata, atravessa Minas e desce pela Serra da Mantiqueira até o Vale do Paraíba e o Santuário de Nossa Senhora da Aparecida.
Romão do alto da Serra seu coração encheu de fé, e imaginou sendo um peregrino no caminho da Fé. E pensou, seriamente, vou falar com o Coronel, e vou fazer esta peregrinação, convidarei o Michelin e o Canarole, sei que eles irão também.
O assunto foi longe, das plantações de café e batatas, a fé em nossa senhora da Aparecida, a padroeira do Brasil. Conforme desciam do mirante, os assuntos foram quietando, cada um se envolvendo em seus próprios pensamentos.
Tomaram um banho de caneca, jantaram e foram dormir bem cedo.
No outro dia a saída de São Roque da Fartura não passou desapercebida, alguns moradores mais antigos sabiam que ali havia outros assuntos. Mas o que seriam? As dúvidas ficaram por conta das férteis imaginações de uma peque comunidade. O senhor prefeito, para se comunicar melhor com seus eleitores, andou falando bastante do acontecido, exaltando o popular, Zagaieiro. Interessante, segundo o prefeito de fama “internacional”!
O Tião amarou os cachorros pelas coleiras, e depois de carregar a traia, subiram nas montarias, e desceram para Vargem Grande pelo caminho da fé. Encontram no caminho com vários romeiros, que peregrinavam pelo caminho. Três casabranquenses, estavam subindo a serra de bicicleta, e pretendiam irem até Minas Gerais, na cidade de Ouro Fino, ainda naquele dia, onde existe uma estátua de um menino, em homenagem a música de Sérgio Reis, “O Menino da Porteira”.
Todas as pessoas que entendiam um pouco de cachorros que viam a tria de onceiros, do Tião ficavam admiradas. Durante todo o trajeto, os três cachorros, peados um ao lado do outro, caminharam bem atrás da mula do Tião Zagaieiro, não aceitaram nenhum insulto de outros cachorros por onde passaram. Eram realmente treinados e obedientes ao dono.
Romão achou mais difícil descer a serra, praticamente que subir. Tião disse, que logicamente não devia ser a ideia da mula Colina. Riu um pouco do companheiro, e foi motivo de gozação ao longo da viagem.
Passaram Vargem Grande do Sul por um bairro ao norte da cidade, chamado de Vilar Polar, lá conheciam uma venda afastada, logo na chegada, onde era feito uma bom sanduiche de mortadela. Atrás da venda, havia um terreno, onde davam água e comida para os animais, tiravam a sela das montarias para um merecido descanso
Ficaram uma hora, deixando os animais descansarem. Passar o tempo não era problema, pois a venda de secos e molhados, como diziam, era ponto de encontro dos colonos das fazendas da vizinhança. E ali não faltavam assuntos, sobre todas as fazendas da região.
Lá encontraram o senhor Laurindo, administrador de uma grande fazenda, Fazenda da Barra, que ficava às margens do Rio Verdinho. Era um homem alto, mulato, com um paletó de brim caqui, com os bolsos estufados de coisas que costumava carregar, ele e seu paletó era uma imagem icônica em toda a região. Chegou perto do Romão, chamando-o de lado perguntou:
–Sabe que lá na fazenda, por duas vezes o coisa ruim pegou uma novilha, matou um porco em ambos ele retirou as cabeças. Isto lá no retiro afastado, às margens do Rio Verdinho. Muito longe da sede. Nestes tempos já sumiram outros garrotes da fazenda, nunca tinha acontecido isso, tem coisa nisto Romão, você não acha? O companheiro arregalou os olhos, levou a mão na boca e se afastou um passo pensativo!
Para esclarecimento o Senhor Laurindo era nascido e criado no vale do Rio Verdinho. Tinha trabalhado nas grandes fazendas do vale, durante os últimos 55 anos, ele estava achando isso esquisito. Ele era o tipo do administrador que conhecia os animais, todos, por nome. Não somente da fazenda dele, dos vizinhos também: Fazenda Rio Doce, Fazenda Boa Vista, a grande fazenda Rio Verdinho, que era de um banqueiro conhecido, Moreira Salles.
Com todo este conhecimento e perspicácia, ele sabia que o coronel, não teria mandado buscar o famoso Tião Zagaieiro, se não houve um motivo maior. Antes da resposta, o astuto administrador, deu uns passos para trás, vendo com atenção as mulas bem apetrechadas dos companheiros e os três cachorros amarrados no lático do arreio e bem juntos descansando na sombra dos animais.
Tornou a chamar Romão, antes da saída, e perguntou sério, no apartado para conversa, atrás da mula Colina: Romão, escuta aqui, sei que tem um motivo, para o coronel fazer isso. Você não pode me adiantar nada?
Na região ele era uma grande autoridade, mais até do que os próprios donos da terra, pois era ele que resolvia tudo. Romão de sentiu acuado. Arrochou o lático da barrigueira da mula, e pigarreou.
–Sabe patrão, o senhor é autoridade, assim tenho que ser sincero, o coronel, mandou eu ficar de bico calado, mas para o senhor não posso negar, sim tem coisa sim, o patrão está bem desconfiado deste tal de chupa-cabra. Para ele tem coisa suja aí!
–Eu sabia Romão, fale para o coronel que o senhor Laurindo Consentino da Silva, o admira e o respeita muito, e está com o mesmo pensamento dele. Meu bico ficará calado, até ele resolver este caso. Aí, antes de eu falar qualquer coisa para alguém, vou lá na Lagoa Dourada, pedir um particular com o coronel, obrigado pelo esclarecimento, me ajudou muito.
O sol ainda quente, eram duas horas da tarde, quando pegaram o estradão. Os primeiros 4km, muita poeira e movimento, pois a estrada ia para muitas propriedades, incluindo a Bocaina, onde estavam realizando um filme, disse Romão para o ressabiado Tião, que não sabia muito bem o que era isso. Com todo aquele movimento, os dois companheiros não se sentiram à vontade, os motoristas não se davam ao respeito, passavam raspando os cavalos, e Tião tinha que segurar os cachorros, era muita tensão naqueles 4 quilômetros.
Mais uns 6Km, passaram pelo eucaliptal da Mogiana, e chegaram no alto da baixada do Rio Jaguari, e a fazenda do coronel no horizonte. A vista daquele ponto da estrada era maravilhosa. A esquerda a lavoura de café, como uma grande bandeira verde, cobrindo a suave encosta da terra massapé. No meio do cafezal, os colonos com grandes chapéus brancos, para se defenderem do sol, pareciam como estrelas brancas ornamentando uma bandeira. O vento agitava as carreiras horizontais do café igualado, formando ondas como se fora um líquido expeço.
Bem à frente, muito bem delimitado na paisagem, a grande sede da fazenda. Todas as casas simples, mas muito bem cuidadas, pintadas de cal branco.
A casa da sede era um pouco isolada, e na entrada havia um maravilhoso e florido pé de flamboyant vermelho. Aqui cabe um esclarecimento, o nome da fazenda era no papel Lagoa Formosa, mas mesmo os donos as vezes se referia a ela como Lagoa Dourada.
Quase no limite do horizonte, a mata galeria do rio Jaguarí com seus meandros, delineava o leito do rio, e na margem direita começava a grande reserva florestal da propriedade.
A chegada à Lagoa Formosa, foi alvoroçada, o coronel veio receber o grande zagaieiro, com certa cerimônia. As mulas estavam cansadas, mas para os três cachorros, aquela viagem foi apenas um passeio. Estavam acostumados correrem o dia todo pela mata, a procura das caças, achando o rastro, o faro sempre indicava a caça, o importante era fazer o animal cansar de correr, subir em uma árvore, depois era com o Tião Zagaieiro.
O visitante não se sentia muito à vontade, perto do coronel. Por este motivo a conversa foi breve, pois quando o coronel começou a falar, o Tião, com sua sinceridade matreira, falou:
–O Romão, já me explicou tudo, estou sabendo, senhor coronel.
Tião Zagaieiro, perdeu uma ótima oportunidade de agradar um grande homem, apenas se tivesse ouvido ele falar, pois o cerne do problema, ele ainda não tinha ideia. Muitas pessoas permanecem na vida sempre na mesma posição, pois acham, em momentos críticos, que já sabem toda a história. Não dão oportunidade para novos conhecimentos e pontos de vistas diferentes.
Tenho visto isso há muito tempo. Um velho sofisma, que eu não concordo: “Para quem sabe um ponto e letra”. Isso é uma maneira, simplista de aprender e captar o ponto de vista de outra pessoa. Cada ser humano tem um universo dentro de si, por mais simples e humilde que a pessoa possa ser. Tolher esta oportunidade, é falta de espaço na inteligência, é como um simples computador com a capacidade esgotada, onde nada mais pode ser acrescentado. Limita-se o conhecimento, coloca-se barreiras ao saber.
Depois deste encontro, Romão foi cuidar das mulas. O Tião dos cachorros, banho na bica com sabão-de-pedra e depois comida, carne de sol com polenta para os famintos cães. Importante foi prender bem os cachorros em um quartinho isolado. Caso contrário teria a noite toda, a cachorrada da fazenda, latindo e procurando briga pelo pedaço. A sociedade hierárquica canina da fazenda já estava acertada, isto é, até que não houvesse uma cadela no cio.
O rio Jaguari ali na região é muito piscoso, assim, quando estava chegando à tardezinha, o senhor Emílio o gerente da fazenda, convidou o visitante para ir pescar. Vamos que no poço do Mesquita, está saindo umas belas piaparas de mais de 2Kg. Eu já estou com a traia pronta, vamos lá, enriquecer a janta. Minha mulher faz um peixe que vale a pena, e vocês dois, Romão e Tião Zagaieiro, estão convidados.
A pescaria na realidade era em um poço formado por pequeno córrego que desaguava no Rio Jaguarí. A água do pequeno riacho era absolutamente clara, limpa, encontrava as turvas águas do rio Jaguarí. Os pequenos peixes, lambaris, estavam nadando em cardumes nas limpas águas, e era visível quando uma veloz tabarana, saia das turvas águas e capturava um pequeno peixe. Para os pescadores, era o momento de lançar a isca no encontro das águas, e faturar uma tabarana, ou um dourado. Este era um lugar de farta pescaria nesta época do ano, período que todos peixes precisavam se alimentar bem, para migrarem nos meses seguintes, quando ocorria a piracema.
A noite foi de prosa e um belo jantar de arroz soltinho, piapara frita, tutu-de-feijão, couve refogada com farinha de mandioca, e mandioca frita. O Sr. Emílio, perguntou bastante coisas para o Tião. Sobre o cafezal, quantas capinas por ano e qual a adubação. Na colheita era a mão com pano, ou pano na derriça. O assunto foi longe, pois estes conhecimentos eram para a vida destes homens. No alpendre durante as prosas, muitos peões chegaram para ouvir os assuntos. Os cafezais da região eram do tipo Arábica de ótima bebida. Não gostavam do café Bourbon, o coronel conhecedor do assunto teceu muitas considerações, somente o Emílio conseguiu acompanhar o raciocínio do patrão.
A maioria esperava que a prosa seria sobre o chupa-cabra, lobisomem ou coisa assim, mas nada disso foi tratado, era ordem do coronel para o gerente. Dois funcionários da fazenda, que de lá saíram, disseram: Só falaram bobagens, coisas que nós estamos cansados de saber, até parece que o Sr. Emílio, não está careca de saber tudo aquilo, e outra Tião falou bobagem, 3 capinas por ano, aqui nós já chegamos a dar até 6 capinas. E nunca colhemos café na derriça, somente na mão e no pano. E outra, vou te falar para mim café bom é aquele quentinho que está na minha xícara para beber, o resto é prosa de patrão.
No alpendre, o sono foi chegando e as despedidas e os agradecimentos também. Depois foram cada um para seu canto dormir. No caminho para casa, Tião teve oportunidade de fazer alguns esclarecimentos pra Romão. Entre eles, se desculpou de não ser muito entendido de agricultura, ele era mais ligado aos animais, ao gado, e gostava muito de amansar cavalos xucros. Sobre os cavalos e mulas, tiveram muitos assuntos para trocar ideias. Tião contou que há tempos, em Alfenas, chegou a amassar tropas de mulas, para um famoso tropeiro de Pouso Alegre. Era um tempo, onde nós ganhávamos muito bem, para organizar uma caravana de tropa, as mulas melhores, que serviam de guias, valiam muito dinheiro. Sonhando nos bons e heroicos tempos passados o pião e o matreiro foram dormir, pensando no outro dia.
No outro dia, bem cedinho, o coronel chamou os dois, Romão e Tião, para o escritório na sede. Na parede havia um quadro, que reproduzimos, buscando semelhança, a partir de uma imagem do Google Earth.
Vão entrando e sentando, tenho muito que explicar a vocês sobre meus objetivos. Pela fotografia do Google, é possível verificar que o rio corre manso em meandros, pelo vale. A terra de aluvião fértil que matem uma mata galeria exuberante, onde as pacas, capivaras, são abundantes, com isso os predadores, aparecem com frequência.
Disse o coronel, gostaria de esclarecer Tião Zagaieiro, que espero muito mais de você, do que abater esta famosa onça com a zagaia. Nesta mata não existe apenas esta onça, sei que tem outras, incluindo um casal de suçuarana, entre outros animais. Mas essa onça merece uma consideração muito maior, pois ela está fazendo história e servindo de desculpa, para pessoas desonestas e absolutamente inescrupulosas. Tudo que fazem de errado e furtos, o culpado acharam na imagem sinistra do chupa-cabra, mas a realidade o pano de fundo é este extraordinário macho, o grande canguçu.
Trata-se de um macho, ele não somente vive nestes 1.000 alqueires desta mata da Lagoa Dourada, como em um amplo território. A área de atuação deste animal é muito grande mesmo. Depois que ele pega uma caça por aqui ele caminha pela mata ciliar, ou mata galeria do Jaguarí, rio acima, em direção ao sol nascente, passa pela região de São João da Boa Vista, Águas da Prata, e Andradas. Na mata da região do Pico do Gavião sim é o limite de seu território, depois de atuar nessa região ele volta para cá.
Tenho relatos seguros de vários fazendeiros, de sua presença nestes municípios nos últimos 10 anos. Essa fera é extremamente cautelosa, muito esperta, e inteligente. Por este motivo domina toda esta área há tanto tempo. Tem crias por aí tudo. Dado sua dinâmica de atuação e sua ferocidade, tem pessoas mal-intencionadas, ladrões mesmo, que se aproveitam para suas ações desonestas, como já disse, quanto o animal está em outra região, inventando o ser sobrenatural, o chupa-cabra, matam e roubam.
O Zózimo, meu parente de Águas da Prata, tem uma bela fazenda nas encostas da Mantiqueira. Uma tarde ele andando pela mata negaceando uns macucos, lá na Furna do Mutum, ele teve a visão mais extraordinária de suas excursões venatórias, bem no fundo da furna, na boca de uma grupa, ele viu dois filhotes de onça pintada, ficou de tocaia, por mais de duas horas, e depois apareceu a mãe uma maravilhosa fêmea com uma provável paca na boa. Ela foi com a maior tranquilidade, arrancando os nacos e dando para os dois filhotes o de comer. Diz Zózimo, que nunca ficou tão emocionado como naqueles momentos.
Existem outras pintadas por estas matas da encosta da grande Serra da Mantiqueira, que limita Minas de São Paulo. Mas, este canguçu, ficou esperto, e está servindo de desculpa para ladrões, é por isso que estamos precisando da sua Zagaia.
Vou ser bem claro companheiros, a noite que a onça pegou meu tourinho, em uma caçada estudada, pois ele localizou o belo e sadio animal, e depois na solidão da noite, veio matar a presa e fazer destruição, levando sua carcaça trazeira, eu documentei pelo rastro, pelas pegadas, sua inquestionável atuação. Depois levou longe a sobra, para comer na outra noite. Há tempos sabermos que é ele, pois na pata dianteira direita ele tem um defeito.
Naquela mesma noite, que ele pegou o Lagoa Branca, teve um reboliço em um mangueiro em Caconde, e disseram que o chupa-cabra, comeu um e levou dois leitões. Mas os peritos, não encontraram nenhum rastro de animal. Encontraram apenas pegadas de botinas, ou seja, gente!
Duas noites depois, na fazenda em Águas da Prata, do amigo Zózimo, uma novilha nova foi morta e levada, sobrando somente a cabeça, e semanas atrás uma outra novilha havia simplesmente desaparecido! Pronto, para os piões da fazenda, foi o chupa-cabra. Mas de rastro de animais nada mesmo, por esse motivo, os que acreditam, acham que o assombração não deixa rastro.
Amigos esta onça mata no máximo um animal cada 5 a 7 dias, em cada lugar. Isso quando ela não mata uma paca ou uma capivara, que tem muitas por aí. Este animal não facilita. Quero aproveitar a oportunidade, pois ele facilitou aqui na Lagoa Formosa. Esta será a oportunidade.
Por este motivo, quero esperar este canguçu, voltar na minha fazenda novamente, aí quero que o Tião Zagaieiro, soltar seus cachorros e matar a fera, que tem servido de desculpa, por este mundo a fora, de um fantasma que são os próprios homens, ladrões da noite. La em São José do Barreiro, na Serra da Canastra, constatei pessoalmente, que o chupa-cabra era um açougueiro, da região. Por aqui, quero ver quem são, esses oportunistas do medo inerente que temos do desconhecido.
Meu primo J. Cássio, da fazenda Taquaruçu, disse que na área do rio Tambaú, que margeia sua fazenda, contornando a mata da Lagoa Jardim, seus empregados disseram que por duas vezes o chupa-cabra, pegou garrotes do Sr. Rufino, e saibam amigos, que por lá não tem mata nenhuma somente campo. E na área do acontecido havia marcas de pneus. Doutor Cássio, ameaçou de duvidar do coisa ruim, seus empregados, principalmente o administrador senhor Ernesto, ficou magoado, achado o doutor descrente e metido, e disse nas escondidas:
—Doutor fala, mas nunca pegou um cavalo a noite para tirar gado do milharal, ou acudir uma vaca parindo. É gente da cidade, onde tudo é fácil.
Bem companheiros, já falei demais, estamos muito bem entendidos. Vão almoçar, e esperarmos a hora certa para agir. Guardem bem todas estas considerações para vocês, não comentem nada, com ninguém, nem com suas mulheres.
Os argumentos do coronel eram irrefutáveis, por este motivo os piões aceitaram tudo, mas depois que saíram, foram caminhando em silêncio, quando chegaram no curral, um olhou para o outro e uma interrogação apareceu nos olhares. O Romão foi que se abriu:
—Olha Tião, o Coronel fala tudo isso, porque é um homem resguardado, protegido, amparado pelo dinheiro e pela religião. O padre de Itobi, quando faz leilão para a paróquia vem benzer a fazenda e o coronel, depois recebe do coronel, três bezerros desmamados para a festa. Nos dias santos, ele traz um vigário, com sacristão e roupagem, para celebrar a missa! Escuta aqui, amigo, que alma penada, chupa-cabra ou lobisomem vai mexer com homem deste? Nem nunca, tem o corpo e a alma fechada!
—Bem amigo, sei não, mas achei o proseado do patrão real, deve ter mesmo “cisco neste brodo”.
O assunto foi encerrado, os homens foram cuidar dos afazeres, que não eram poucos. Tinham que esperar, até o dia que a pintada se manifestasse novamente, para os cães pegarem o cheiro e seguirem o rastro. Não adiantava, sair a esmo, mato a fora, esses felinos são muito ariscos.
Romão estava cansado, pois havia capado uns 10 bezerros, e curado umas vacas. Estava sujo, quando chegou no rancho dos peões, encontrou o Tião Zagaieiro, limpinho sentado em um banco na porta, com o olhar penetrante no horizonte.
- Lindo este lugar. Ao longe a grande Lagoa não parecia apenas formosa, era um espetáculo inesquecível. O sol poente tornava sua superfície multicolorida, decompondo luz, às vezes ela parecia de um dourado brilhante, às vezes de um alaranjado fulgurante e no finalzinho da tarde, de um vermelho sangue.
Um bando muito grande de batuíras passou voado bem rente à superfície da lagoa, e pousaram, com grande algazarra em uma prainha. Ao longe, o bando parecia uma mancha escura que se deslocava na branca areia. Tião gostava de ver esta natureza exuberante, ouvir seus sons e identificar o canto dos pássaros da tarde: Um bando de passarinhos tejos, se alvoroçava em um pé de goiabeira, ora pulando no gramado, ora se entrelaçando com seus longos rabos, em demonstrações de acrobacias para as fêmeas.
As gralhas em uma mangueira, buscavam as frutas maduras, fazendo um barulho característico, o que espantava de pronto os assanhaços que tentavam disputar uma fruta madura. A gralha azul, com o peito branco, é um pássaro dos mais lindos para o Tião. Onde ele morava, tinha um velho pé de carambola, que vivia sendo visitado pelas gralhas azuis.
Tuins, maritacas, quero-queros, completam a algazarra desconexa. O canto solitário do sabiá laranjeira, parecia contrapor aos ruídos, com sua melosa harmoniosa. Bem ao longe o inhambu chororó e a saracura três potes, davam profundidade aos sons da natureza vespertina.
Em volta da casa era o arrulhar das rolinhas e fogo-apagou, ciscando a terra, em busca da última refeição do dia.
Um bando barulhento de galinhas da angola, tomavam impulso para subir bem alto em um pé de jatobá, no canto do terreirão. Era uma tarde exuberante de vida, que Tião não perdia nada, e reconhecia tudo, como se fosse um livro da natureza aberto à sua frente.
Três pessoas projetavam uma silhueta escura, às margens da espelhada água da lagoa. Quem são aqueles pescadores perguntou Tião:
- São: Bertão, Canarole e o Pé de Cana. São loucos para pescar, e hoje, com a lua cheia que vem por aí, pegar umas grandes traíras é garantido. Sempre acham que voltarão com o embornal cheio.
- Tião pensativo disse ao Romão:
-Preste muita atenção meus amigos, tenho um sentimento que, com esta lua cheia, amanhã teremos muito mais surpresas, que os peixes dos companheiros lá na lagoa. Olharam para o Tião, que estava enigmático, com calma e capricho, de cócoras, começando a fumar, um caprichado cigarro de palha, exalando pelo ambiente, segundo contam os fumantes, o bom e forte cheiro do fumo goiano.
Romão não entendeu bem os dizeres do companheiro, ficou em silêncio e entrou pensativo. O que teria a lua cheia, com os objetivos da espera deles. Tomou um banho, meio sem vergonha, de caneca. Trocou de roupa. Havia escurecido, chamou o Tião para ir jantar, na cozinha do coronel. Estes homens de origem rural, em certos momentos são comunicativos e expansivos, contudo, quando alguma dúvida se interpõe entre eles, parece nascer uma barreira, eles se tornam esquivos e reticentes.
Foi o que aconteceu entre Romão e Tião Zagaieiro, pois o primeiro não entendeu os dizeres de Tião sobre o dia seguinte, as palavras foram proféticas e profundas, mas não houve entendimento. Assim caminharam para o jantar, cabisbaixos em silêncio.
Tião mais astuto, logo percebeu e quebrou o gelo, dizendo:
–Sabe amigo Romão, essa lua cheia, nascendo sobre a mata, iluminando o voo dos curiangos e morcegos, é indício de atividade de onças esquivas como a que estamos esperando. Acho que a noite teremos surpresas, e também estamos no tempo certo de sua volta, para a caçada. Além do mais, eu à tardinha caminhei lá no alto, na boca do córrego, e notei um reboliço dos macacos bugios, não estavam urrando a tarde como de costume, mas rosnando ameaçadoramente no alto das grandes árvores. Para mim, é indício que a pintadona, estava passado por lá. Vamos esperar para ver.
Foi inevitável para quebrar o gelo entre eles, e a imaginação do Romão, logo traçou o quadro, o bando de macacos bugios no alto das grandes árvores, e a pintadona passando por baixo rosnando em busca de uma presa, pois estava com a fome viajada.
Agora sim trocaram prosa e ares de entendimento. Jantaram com fome, a Fiúca, cozinheira de mão cheia, havia feito um pato ao leite, arroz, farofa e carne de sol. O coronel gostava deste prato. Saíram na varanda, enrolaram novamente um cigarro de palha, com fumo de corda goiano, e calmamente ficam fumando e proseando. O coronel estava prosa.
Contou casos de suas viagens no Pantanal. O que mais marcou os companheiros, foi o caso da anta. O coronel a noite no Rio São Lourenço, na região do Pirigara, a montante da Vila Santa Izabel, queria pegar um grande jau. Apoitou em uma praia, onde os curimbatás estavam passando, chamariz de grandes peixes de couro, e jogou uma linha número 100, com anzol fundo de agulha 15, iscado com uma tuvira. Encostou no banco, e ficou na espera. Meio trolado, e no silêncio da noite, adormeceu. Derrepente ouviu passos profundos na areia da praia a seu lado, abriu os olhos, e uma parede escura estava bem encostada. Gelou. Olhando com muito medo, era uma imensa anta, que passava a seu lado na praia, sem dar bola para ele e o pirangueiro. Ela entrou no rio à frente da canoa e atravessou o São Lourenço sem nenhum ruído.
O coronel disse: A gente é muito despreparado, se fosse uma onça, teríamos sido o jantar dela.
O Tião contou também uns casos. Achou o coronel gente como a gente mesmo e gostou. Mais tarde um pouco resolveram ir deitar. Já estavam quase dormindo, quando começou o alvoroço.
Como disse Romão um sururu dos diabos.
Primeiro ecoou por toda a baixada, lá pelos lados do mangueirão, um forte esturro da onça pintada, um segundo esturro mais forte ainda se ouviu. A porcada guinchando, se atropelava por todo o mangueiro, fugindo da morte certa.
O Romão pulou da cama e pegou seu pau de fogo. E gritou, é hoje, maldita.
Quando ia saindo correndo do quarto, foi seguro pelo Sebastião Zagaieiro. Calma, amigo, calma, eu vim aqui para matar a onça, e não a espantar à noite, sem iluminação. Afoito assim, e no esbarro, nunca dá certo. Uma hora desta ela já deve estar longe, com o porco na boca, para devorá-lo em um lugar tranquilo, geralmente perto de uma aguada.
Quando ela esturrou, já estava com presa morta na boca. O esturro certamente foi para espantar algum cachaço que quis avançar, sobre ela.
Saíram e tiveram vontade de rir, pois os três pescadores de traíras vinham em desabalada corrida, com medo da pintada, se embaraçando todos nas linhas e varas de pesca. O samburá com os peixes ficou lá para trás. O Romão gritou, os machões da lagoa!
Todos na fazenda acordaram. O coronel acendeu a lamparina no alpendre, os dois amigos foram para lá.
- E aí Sebastião, o macharrão compareceu. Eu tinha muita esperança que esses dias ele compareceria aqui. É um animal extraordinário, mas terá que servir de exemplo infelizmente.
- Ótimo, coronel, amanhã nós o pegamos. À noite, o couro dele estará no sal, ou o senhor pode mandar o Romerito de Pinhal, embalsamar a fera como exemplo.
Era impressionante como a cachorrada da fazenda latia e se agitava, pulavam em piruetas e uivavam de raiva, devido ao cheiro inquestionável exalado pela pintada, em seu fulminante ataque. Mas nenhum cão saia do lugar em volta das casas de seus donos. O uivar da cachorrada era uma mistura de pavor, e uma covarde vontade de sair atrás do felino, mas sem seus donos, nenhum animal arriscou seguir no encalço da assustadora fera.
O escuro da noite, marcando silhuetas pela lua cheia, nas bordas das árvores, desaconselhava qualquer ousada atitude de todos na fazenda. O efeito dos esturros do macharrão, foi impressionante em toda a natureza, parecia mesmo, que até cricri dos grilos pararam, os pirilampos apagaram suas brilhantes luzes e os curiangos silenciaram por um bom tempo. A natureza em silêncio ecoava os esturros do canguçu.
Se o Gavião e os outros cachorros, do Tião Zagaieiro, não estivessem presos já teriam partidos como loucos atrás da onça. O Fiel era o menor, dos cachorros e o mais agitado, dava até piruetas para tentar sair do quartinho onde estava preso.
Neste momento precisamos ter calma, disse Tião, ter muita astúcia, pois o bicho é manhoso e sabido, como o diabo das trevas, é “o coisa ruim” das matas. Tião prosseguiu meditando e sussurrando seus pensamentos em voz alta:
-Vamos dormir em paz, amanhã, depois do “quebra torto”, cuidaremos desta fera, com a técnica que ela merece, pois é um animal astuto e muito viajado. Já tive notícia de suas andanças lá pela Fazenda Santa Maria, no pé da Serra da Mantiqueira. Ela deve ter um sinal na pata direita e no couro, pois foi atirada com uma carabina calibre 44, mas o caboclo tremeu, e a bala passou de raspão no cangote da fera, acredito que o pião depois não foi morto pela fera, por que, estava em uma canoa, no meio do rio.
No outro dia, o sol ainda não havia apontado e o Romão já estava chamando o Tião. O primeiro levantou lépido e muito disposto, queria sair para a briga. Seria seu dia.
Tião estava calmo, queria atingir seu objetivo para o qual estava na fazenda do coronel. Falou de forma incisiva, calma Romão, temos um procedimento correto a ser seguido, não adianta precipitar.
Saiu na porta, o céu ainda estava de cor pérola, o gramado à frente do rancho ainda coberto pelas gotículas de orvalho, uma teia de aranha ao lado na trepadeira, estava coberta de gotículas de água, evidenciava sua concêntrica simetria e precisão geométrica com que foi construída pela astuciosa aranha.
Para o Tião, enquanto houvesse gotas de água nas teias de aranha, não era recomentado soltar os cachorros no rastro da onça, pois a água vai acumulando nos animais e dificulta muito o faro.
Tião Zagaieiro tinha seus rígidos princípios, para sua técnica de caça com a zagaia, os cachorros têm que seguir as pegadas do canguçu, corretamente, no certo. A onça sente que os cães estão realmente em sua trilha, aí cansada ela sobre em uma grande árvore, que já lhe serviu de tocaia. Ela sente que de lá ela atacará seus perseguidores, e é justamente este o objetivo do Tião. O perseguidor é ele.
Foram forrar o estômago, era mais que um almoço, o chamado quebra torto. Depois foram arriar os cavalos e tratar dos cachorros.
Sério, Tião chamou seu Emílio o administrador da fazenda, e pediu:
- Por favor, companheiro, peça para todos empregados para prenderem seus cachorros, muito bem presos, pois se um somente um, se soltar, e perder o rastro em latidos falsos, poderá atrapalhar toda a corrida desta fera. Não foi fácil executar a tarefa, pois todos os cães estavam excitados e rebeldes.
Romão, impaciente, ficou nervoso e disse: Vamos Tião Zagaieiro, estamos perdendo tempo, disse com um ar de reprovação.
- Bem amigo Romão, tem coisas que você precisa aprender. Enquanto houver orvalho, não posso soltar meus mestres onceiros na batida da fera. A água no capim atrapalha muito o faro dos animais. Por que você acha que os felinos somente preferem atacar, antes do orvalho começar a cair? Além do mais, a onça já matou e comeu, há muito tempo o porco. Já o escondeu bem longe daqui, procurou um lugar para beber água, e agora está dormindo escondida em uma caverna, gruta ou oco de árvore, fazendo a digestão. Aí sim será nossa hora.
Logo uma brisa secou o orvalho. Saíram puxando as mulas pelo cabresto, pegaram os cachorros, ainda presos pelas correntes e foram ao mangueiro examinarem o estrago feito pelo macharrão.
Acharam a cerca estourada, por onde ele entrou e depois saiu arrastando o porco. Com força, Tião segurava seus três cachorros mestres onceiros. Deu a volta na cerca do mangueirão e depois, saiu olhando atentamente o rastro de sangue, procurando alguma coisa que Romão não entendeu.
Uns 200m à frente, havia, perto do pé de uma grande goiabeira, uma poça de sangue, onde o animal abatido ficou parado. Tião astuto nestas lidas começou a procurar alguma coisa, e perto do tronco da árvore, gritou.
Este é o rastro da onça, onde se inicia a corrida dos cachorros, (A imagem é do Google).
- Aqui está Romão o carimbo do bicho. Era uma grande mancha amarelada, melada ainda, onde o animal havia urinado, marcando seu território. A onça é um animal que marca seu território, se outro macho vier caçar em seus domínios, acontece uma briga de morte mesmo. Tião pegou o gavião, seu cão mestre, e o levou até a mancha e o início do rastro.
Quando o cachorro farejou a urina, cresceu, arrepiou o pelo, e soltou um uivo ensurdecedor. Tião cresceu também, a zagaia em sua mão parecia que até ficou menor e mais leve, e gritou para o Romão:
- Aguenta caboclo, que agora o canguçu está na condenação final. Soltou os três cachorros que partiram como flechas no rastro do canguçu.
Os dois montaram em suas mulas e iam saindo quando, encontraram o coronel e seu capanga esperando.
- Coronel?
- E, vocês dois, achavam que eu ia perder uma corrida desta, estão loucos! Preguem as esporas nestas mulas vagabundas, que meu garanhão os acompanhará no passo.
E lá se foram na corrida, ao som do uivo majestoso dos três cães mestres. Realmente apenas quem participou de uma corrida de cachorros caçadores, sabe a emoção que pode ser sentida. O uivo alucinante dos 3 cachorros, as vezes parecem de uma raiva incontida, as vezes parece um uivado longo de medo, da fera que irão encontrar. De fato, conta o famoso caçador, apelidado de Chiquinho Fedegoso, ter perdido já alguns cachorros mais valentes nestas empreitadas de caça, em tempos passados, as vezes os cachorros mestres, se lançam na fera, com tamanha raiva e bravura, mesmo sabendo que podem morrer.
O rastro da onça no início foi pelo lugar mais limpo, isto é, pela invernada de capim Jaraguá. Depois de uns 2 km, a corrida pendeu para a mata que margeava o córrego Mesquita. Disse Tião, este macharrão vai dar trabalho, vamos ter que trilhar na mata. Não conseguiram mais seguir a matilha. O coronel já queria descer, com o Colt38 na cinta. Tião gritou calma patrão, vamos pôr fora da mata seguindo o uivar e latidos dos cachorros, por favor, somente use seu Smith, se for para matar uma cascavel ou jararaca, pelo caminho, mesmo assim evita ao máximo atirar, coronel. Um estampido deste, deixa a fera alerta, prejudicando toda a carreira, na picada do rastro, a corrida continuava pela mata galeria.
Tião contou ao Romão, teve uma caçada, que um doutor, quis atirar na onça, já na ponta da zagaia, e matou por nervosismo um cachorro onceiro meu. Depois quis pagar. Eu disse ao doutor: cachorro onceiro de Tião Zagaia não tem preço! Enterrei este estimado cachorro, com lágrimas nos olhos, debaixo de uma figueira, nas margens do Rio Tambaú, lá perto da Cachoeira de São Pedro dos Morrinhos.
Nestas horas a emoção de todos é imensa. Adrenalina, invade todo organismo, é muito contagiante, o uivo incessante da matilha, as vezes parece que se ouve até o esturro do canguçu, de raiva por estar sendo perseguido em sua mata, por uma matilha miserável de cachorros, se não fosse os homens, ele invertia a corrida, e com uns tapas destruía toda a matinha e ainda comeria seus corações.
Continuaram margeando a mata, seguindo a corrida da cachorrada, o som da corrida dos cachorros é extraordinário, são latidos de raiva e uivos de frustração. Não tem caçador que não se arrepia ao ouvir um tropel deste. Alguns levam até moitas de arranha gato no peito sem sentir nada na hora. Quem gostava destas corridas de caça, sejam nobres da Inglaterra, ou caipiras do interior, ficam alucinados pelos eventos que se desenrolam.
Encontraram uma cerca de arame, o coronel deu ordem para cortar, e passaram. Mais uns 500 metros, Tião parou o animal, e desceu.
Vamos pessoal, agora temos que enfrentar o mato, pois a corrida está se distanciando. Com o facão, Tião e Romão iam abrindo caminho, onde não havia trilho de passagem. Já passava das 11h00h, o calor era forte, mas todos com medo de perder a corrida, iam se atropelando mato a fora, atrás do Tião.
Depois de uns 2 km, começaram a chegar perto do uivo dos cachorros. O sangue fervia de emoção! Chegaram à margem do Rio Jaguarí, que recebia como afluente o córrego Mesquita, a cachorrada, uivava e latia em volta de um pé de Jatobá. Quando se aproximaram, lá estava a pintadona, em um galho horizontal, rosnando e parecia que soltava um grave arroto, quando algum cachorro, ameaçava de pular tronco acima.
- Tião cresceu no pedaço, e pediu com autoridade. Todos ficam quietos no lugar, e bem longe, pois se este canguçu, descer no chão a coisa fica feia.
Tião atiçou a cachorrada! Com muita calma, foi contornando onde a onça estava empoleirada, procurando chamar a atenção do animal apenas para ele. Incrível, parecia que a fera sabia quem era o matador, não piscava, e conforme Tião se posicionava, instigando a fera para o pulo. O olhar agressivo e penetrante do acuado animal, não desviava nenhum segundo do Tião com sua zagaia em riste.
Demorou um tempo que pareceu enorme para o coronel. De fato, foram mais de 40 minutos, para o felino, em seu instinto, perceber que o inimigo mesmo ali, era o destemido zagaieiro, que caminhava, se mostrava e a atocaiava escondido atrás de uma árvore, a cada momento mais perto da onça.
Deste momento em diante, o felino, murchou as orelhas, abaixou no tronco e se preparava para o ataque. Era tudo que o Tião queria.
Chamou o mestre cachorro Gavião, para o lado, com um sinal e a cachorrada foi silenciando, apenas rosnando. O esturro da onça abalou o silêncio da mata. Pé ante pé, Tião foi se aproximando do ponto, onde a onça poderia com facilidade pular sobre ele. A zagaia em riste. O matador não mexia mais nenhum músculo.
O canguçu deu um último esturro, e se lançou no ar, buscando a cabeça do matador. Tião, com a zagaia, bem apoiada no chão, apenas esticou o braço, em fração de segundo, e o peito da onça, encontrou a ponta da zagaia, que penetrou sem dificuldade em seu corpo, penetrado fundo e perfurando os órgãos vitais da fera. A feroz e enraivecida fera sentiu o impacto, do aço penetrado em suas entranhas. Deu um esturro ensurdecedor, e esticou as patas dianteiras para frente, para pegar o matador, mas quando as recolheram, ao contrário do caçador, suas patas musculosas, se prenderam nas hastes da laça, em com a própria força descomunal do felino, ele mesmo terminou por enterrar a zagaia em seu coração.
Zagaia, onça, Tião, com o impacto rolaram pelo chão, pois era um impacto de quase 200 quilos, a cachorrada pulou em cima, mas o canguçu já estava morto.
O coronel demorou certo tempo para processar o drama do acontecido, debaixo do imenso pé de jatobá. Tomou fôlego e foi se aproximando da fera estendida no chão. Tião já estava de pé, segurando os cachorros, para não estragarem o precioso couro da pintada.
O sangue vermelho e espesso corria por entre as folhas do mato, algumas formigas já se aproximavam da corrente, para se alimentarem. Moscas zuniam em torno do soberbo animal morto.
Era um macho, muito grande. De cor bem amarela, com rosáceas pretas espalhadas pelo corpo. Nos flancos as manchas eram maiores e no centro delas, se destacava nitidamente, um ponto preto. Nas patas e cabeça as manchas eram bem menores. A musculatura do animal era um fenômeno de força, com uma distribuição anatômica perfeita, realmente era o máximo no processo evolutivo, de um caçador, no final da cadeia alimentar de uma natureza selvagem e intocada. A cabeça muito grande, até desproporcional ao tamanho do animal. Os caninos, ainda ensanguentados, eram fortes, cobertos por uma camada branca de esmalte, e super robustos, uma verdadeira arma de perfuração e destruição.
Não era sem motivo, que a onça pintada, era o único felino que atacava suas presas na cabeça, e não no pescoço, como outros felinos, como o leão e tio tigre. Aqueles caninos eram adaptados para perfurar qualquer caixa craniana, os outros felinos pelo mundo atavam sua pesas sempre na região cervical, procurando quebrar o pescoço.
Muito bem Tião, realmente é o zagaieiro mestre mesmo. Agora amigo, preciso de mais um grande favor seu: Não deixe estragar esta peça abatida, em nenhum sentido. Às vezes pode aparecer alguém querendo uma recordação. Ninguém deve se aproximar ou mexer com este espécime.
O Emílio logo vem como trator e carreta, será embrulhada em um encerado, com todo cuidado, amarrada, para a remoção. O caminhãozinho está esperando para levar para o Sr. Romerito, que é o melhor embalsamador da região. Ela será muito útil embalsamada, para todos nós.
Contudo o coronel ficou muito triste, ao ver aquele soberbo animal morto. Saio de cabeça baixa, triste e macambúzio, chamou o Emílio, seu companheiro, e depois de uma boa caminhada chegam aos cavalos. Antes de montarem, chamou seu gerente:
- Emílio escuta bem o que lhe vou dizer. De hoje em diante, nunca mais, por motivo nenhum, alguém irá matar uma onça na LAGOA FORMOSA. Nem que o governador aparecer aqui, para uma caçada de onça, não deixe, escutou bem. É um crime hediondo abater o mais lindo dos animais selvagens que já vi como esta pintada. Imagine Emílio, trocar um animal soberbo como aquele, por porca, por leitão ou por um bezerro. É loucura Emílio, é loucura Emílio! Mas você sabe porque estamos fazendo isso, certo?
O coronel saiu no galope, esporando seu garanhão, e gritando seu arrependimento pasto a fora, em desabalada corrida. O empregado em seu burro foi perdendo o patrão de vista. E pensando, não é à toa, que dizem ser o coronel, meio louco mesmo. Queria tanto matar o macharrão, agora vem com todo este arrependimento, pensamento do Emílio! Com este pensamento, ele pregou a espora na mula, para ir correndo pegar o trator e voltar logo, pois o Dionísio está esperando com a condução para levar o troféu para “tratar”. Não entendo o coronel, tratar o que, já está morto?
A Fazenda Lagoa Formosa, estava em estado de tensão. Nestes tempos as pessoas das comunidades rurais, eram muito ligadas, não somente espiritualmente, mas materialmente também. Na colônia tenham 30 casas de funcionários, o administrador, dois fiscais, quatros colonos, retireiros e diaristas. Todos sabiam da vida de todos. Às vezes havia necessidades mútuas, era uma aspirina, era um pouco de sal ou açúcar, ou mesmo um remédio para uma criança adoentada. Ou se integrava na comunidade, sob a liderança do Emílio, ou davam um jeito de dispensar o pião.
Com o advento da morte do garrote caro do patrão, e as histórias que rodavam por todas regiões do famoso chupa-cabra, o sangue espalhado, o estampido da garrucha, que teria matado o ser sobrenatural, criou na mente de todos uma expectativa, nebulosa do coisa ruim. Chegaram até falar, nos sussurros, que o Coronel estava com medo, por isso chamou, o matador Tião da Zagaia.
Os acontecimentos do dia na fazenda Lagoa Formosa, deixou toda a comunidade com o cabelo em pé. Primeiro o chupa–cabra ataca, depois o matador com os cachorros ferozes sai e debandada atrás do coisa ruim. E a os acontecimentos seguem.
Mais tarde, primeiro aparece o coronel no galope, desce do cavalo e entra na casa. Vem o Sr. Emílio, trotando com a mula e entra no barracão. Pega o trator, engata a carreta, passa na tuia pega uma lona, e volta acelerando no mesmo trajeto que veio. Estranho ele não costuma nunca fazer isso, sempre manda o tratorista! Todos na fazenda ficam com a “orelha em pé”.
O Emílio com o trator, foi na linha reta em direção ao mato onde estava a coisa morta pela zagaia. Contudo, felizmente ele levou a motosserra, para cortar umas sangras d`água, para conseguir chegar até o Tião Zagaieiro, que por sinal já havia ajeitado a fera para ser embrulhada no encerado. Os três piões tiveram bastante dificuldade para empacotar tão pesado ferino. E para colocar dentro da carreta, tiveram que usar um artifício, cortaram três faras compridas, apoiadas na beirada da carreta, e foram com calma e força arrastando a preciosa carga para dentro da carreta.
Todos subiram na carreta e foram triunfantes para a sede da fazenda. Incrível o faro da cachorrada, quando o trator chegou, foi um delírio da cachorrada. Rodearam a carreta, avançaram para todos os lados, e quando notaram que a fera estava fora de ação, mais bravos ainda ficaram.
O trator encostou no caminhão e a carga foi transferida. Incrível, todos pensaram que o grande pacote do cadáver, seria do chupa-cabra. O coronel tinha alertado todos, que participaram da caçada, não contarem que era um canguçu, deixá-los pensarem o que quiserem.
O Dionísio mais um forte ajudante, partiram para levar a onça, para o Romerito o grande embalsamador. Que já estava esperando a encomenda, também com dois auxiliares para ajudar, pois como havia uma certa pressa, para ficar perfeito, precisava de muita mão de obra. O processo é muito trabalhoso e exige muito conhecimento e habilidade.
O coronel já tinha mandado vir uma cartela de olhos de vidro para onça embalsamada.
Enquanto a onça era embalsamada as histórias sobre o acontecido não paravam na região.
O TEMPO FOI PASSANDO.
Quatro meses depois, haveria uma festa muito tradicional, em toda a região, no Santuário de Nossa Senhora do Desterro em Casa Branca, que seria no mês de agosto. O coronel era muito amigo dos padres, que tomam conta do famoso santuário.
A festa era para arrecadar fundos para o Santuário e para o Asilo de São Vicente, que acolhia os velhos sem família. Eram instituições de mais de 70 anos de atuação.
As festanças duravam geralmente uns 15 dias. A noite tinha quermesses com prendas oferecidas pelo povo, ou doces e salgados feitos pelas melhores cozinheiras da cidade. Havia algumas tendas, onde se expunham coisas interessantes, para as pessoas pagarem uma pequena quantia, e depois concorrer a pequenos prêmios.
Durante o dia tinha leilões de animais, onde o coronel colaborava com muitos animais, assim como os fazendeiros da região.
O coronel, então procurou o padre responsável, e propôs fazer uma barraca bem-feita, para expor a onça embalsamada, o grande canguçu, muito bem embalsamado, que havia feito muitas matanças na região, todos sabiam disto. Estragos nas criações de todos sitiantes e fazendeiros.
A bem da verdade, esta ideia foi do embalsamador Romerito, com objetivo de propaganda, pois ele mesmo achava que seu trabalho da onça estava muito perfeito. Seria importante que todos vissem e admirassem seu trabalho, assim como seria um motivo de orgulho para a congregação.
Todos durante as passagens, para ver o canguçu, pagariam uma pequena taxa, e receberiam um número, que a meia noite no encerramento diário do festejo, seria feito um sorteio, o ganhador poderia escolher: um ferro elétrico, um liquidificador ou uma panela de pressão.
Os organizadores da festa ficaram eufóricos, somente o coronel pediu, que na chamada, ou propaganda do evento, falaria em conhecer a fera que aterrorizava toda a região.
Finalmente chegou o dia do início da festa no Santuário Nossa Senhora do Desterro. Este acontecimento é muito esperado, pois sai uma grande procissão da Matriz da cidade e vai para o Santuário, que fica a alguns quilômetros fora da cidade.
Quando a santa chega no Santuário, ocorre uma missa, e depois inicia a festa.
Para participarem, da festa, das religiosidades e da missa, alguns fazendeiros, deixam seus ônibus de carregar as turmas, levar os fiéis para a santa missa. São pessoas da roça, das grandes fazendas da região, mas verdadeiros fiéis e crentes em Deus.
É uma maneira inteligente das fazendas participarem das homenagens à Santa, pois no autofalante da festa, em alto som anunciam as propriedades e os funcionários: Chegou o ônibus da Fazenda São Caetano, salve os fiéis. Chegou o ônibus do Senhor Teobaldo Meira. Chegou à turma da Fazenda Tabarana, e assim vai: Fazenda Campo Alegre, Fazenda Taquaruçu, Fazenda Terra Vermelha, Fazenda Rio Verdinho, Fazenda Prudente do Morro, e mais algumas também importantes para toda região.
Os donos destas fazendas, sentiam que o anúncio de suas propriedades em alto e bom som, como dizia os críticos, até Nossa Senhora ouvia e os protegia.
Para os fiéis era tudo muito importante, e dentro do santuário havia inúmeras peças, doadas por pessoas que haviam atingido milagres, orando para a Santa: Retratos, muletas, roupas de crianças, quadros e mais quadros dos milagres recebidos. Havia um lugar para acender as velas, eram tantas, que realmente necessitava um lugar especial.
Inicialmente os restaurantes se enchem, as barracas de leilões iniciam os chamados, e a surpresa foi a fila para compra dos baratos ingressos para conhecer a fera da mata da Serra da Mantiqueira.
A onça foi magnificamente embalsamada, e colocada em um lugar especial, com a luz forte na frente, enfatizando a agressiva cara, e a parte trazeira, não tão caracterizada, mais ao fundo e escurinho. A uma distância relativa para os passantes não verem os detalhes.
Os funcionários do coronel, reunidos na saída falavam, aí está o chupa-cabra, que mostro nada é uma grande onça pintada mesmo.
Os próprios padres e irmãos do Santuário, falavam, somente existe um Deus, somente descrentes vão imaginar, lobisomem, mula sem cabeça ou chupa-cabra. Depois de 2 dias de festa, ninguém falava em chupa-cabra, as pessoas queriam ver a onça mesmo, pois a grande maioria nunca tinha visto uma.
Com este acontecimento o chupa-cabra, foi sumindo rapidamente das conversas, até a rádio da cidade falava da onça da Serra da Mantiqueira, que aterrorizava toda a região.
Com isso o chupa-cabra, morreu.
E tudo foi evoluindo muito. O velho chupa-cabra, se transformou em assaltantes. No início na escuridão da noite poderia haver um chupa-cabra, ele existia nas sobras e escuridões das mentes.
Atualmente o chupa-cabra se despiu. Se armou, e passou a assaltar, cortando cercas e roubando cabeças de gado, de porcos. Não bastou, se armaram, substituíram os cavalos pelos carros e caminhões.
Fizeram empregados carregarem caminhões boiadeiros. Mataram administradores. Roubaram tratores. Roubaram caminhões já carregados de café. Não precisavam mais de nenhum chupa-cabra.
A história de um termina, mas os fatos não, eles evoluem, cada dia com mais agressividade, tornando a vida nos sítios, chácaras e mesmo fazendas, em certos momentos perigosas. A tranquilidade, a segurança, as harmonias foram roubadas pelos chupa-cabras muito mais evoluídos, agressivos e impiedosos. Sim, realmente os antigos que existiam eram assombrações.